A corrida pelo biocombustível pode prejudicar as pessoas mais pobres do mundo, segundo um relatório da organização não-governamental (Ong) britânica Oxfam publicado nesta quinta-feira. A organização pede que a União Européia seja "flexível" em sua meta de que pelo menos 10% de todos os combustíveis para transportes renováveis seja proveniente de fontes renováveis até 2020, alertando que ela pode prejudicar pequenos produtores em países em desenvolvimento.
Recentemente, em viagem à África, o presidente Luis Inácio Lula da Silva promoveu a produção de biocombustíveis como forma de diminuir a pobreza em países em desenvolvimento. Em sua meta, a UE afirma que o biocombustível usado no bloco tem que ser produzido de maneira sustentável, mas a Oxfam também quer garantias sociais.
O alerta se une ao de outras organizações que vêm expressando preocupação com os efeitos colaterais da corrida pela adoção de biocombustíveis na Europa. A Oxfam teme que pequenos produtores acabem perdendo suas terras para grupos industriais na corrida para aumentar a produção de biocombustíveis e atender à demanda européia.
'Bolo europeu' O relatório afirma que, para suprir a crescente demanda, a UE vai ter que importar biocombustíveis de cana-de-açúcar e óleo de dendê de países em desenvolvimento, entre eles o Brasil. A corrida das grandes empresas e governos na Indonésia, Brasil, Tanzânia e Malásia para pegar um pedaço do "bolo de biocombustível europeu" ameaça os pequenos fazendeiros, afirma o relatório.
Isso poderia acabar com o meio de vida deles, levar à exploração dos trabalhadores e afetar a produção de alimentos e seus preços, segundo a Oxfam. O documento fala ainda das condições de trabalho "indecentes" nesses países, e cita o Brasil, onde, segundo a Oxfam, "as condições de trabalho nas plantações podem ser horríveis".
"Trabalhadores em plantações de cana-de-açúcar no Brasil recebem de acordo com o volume cortado - eles chegam a ganhar pouco mais de um dólar por tonelada cortada. Esse sistema de pagamento por tarefa discrimina sistematicamente as mulheres, que geralmente não conseguem cortar o mesmo volume que os homens".
"Existem trabalhadores que vivem em condições subumanas, sem acesso a água limpa, e são forçados a comprar seus alimentos e medicamentos nas próprias plantações em que trabalham, a preços mais altos. Em alguns casos, a acumulação crescente de 'vales' faz com que os trabalhadores assumam dívidas que os mantêm presos nesses locais em regime de trabalho escravo", descreve o relatório.
A Ong agora pede que a UE reveja sua política de biocombustíveis e ofereça garantias para proteger os pobres. A Comissão Européia afirma que está trabalhando para garantir que a política não seja um "tiro pela culatra". O analista de meio ambiente da BBC, Roger Harrabin, disse que também há temores em relação ao custo ambiental de se produzir biocombustível de culturas como a do milho, por exemplo.
Cientistas disseram que gasta-se tanta energia na produção de alguns biocombustíveis que seria mais "limpo" continuar usando gasolina nos carros. Para piorar as coisas, diz ele, florestas tropicais estão sendo derrubadas para abrir caminho para as plantações. "Na briga para fornecer biocombustíveis para a UE e o resto do mundo, os pobres estão sendo esmagados", disse o conselheiro de políticas da Oxfam, Robert Bailey.
"As propostas da UE vão exacerbar o problema. É inaceitável que os pobres nos países em desenvolvimento arquem com os custos de tentativas questionáveis de cortar as emissões de gás carbônico na Europa." "Biocombustíveis não são uma panacéia - mesmo se a UE conseguir alcançar a meta dos 10% de maneira sustentável, e a Oxfam duvida que consiga, isso vai diminuir as emissões em uma pequena porcentagem, de um total que continua crescendo", concluiu.
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Jornal do Brasil, 01/11/2007)