Desde 2003, o Governo Federal editou decretos para criar cerca de 20 milhões de hectares em parques, florestas nacionais, reservas extrativistas e outras áreas protegidas na Amazônia. Quando forem consolidadas e saírem do papel, a região terá por volta de 20% de sua área em unidades de conservação - pouco menos de 7% de proteção integral e 13% de uso sustentável.
Já no Cerrado, no mesmo período, o Parque Nacional Grande Sertão Veredas (BA) ganhou mais 80 mil hectares e foram criados o Parque Nacional da Chapada das Mesas (160 mil ha/MA) e as reservas extrativistas Lago do Cedro (17,3 mil ha) e Recanto das Araras de Terra Ronca (12 mil ha), ambas em Goiás. As áreas ampliadas e criadas pelo governo Lula no Cerrado somam menos de 270 mil hectares. O montante é inferior a 1,5% do total criado na Amazônia nos mandatos do petista.
Nos últimos quatro anos, segundo estimativas não-governamentais, o desmatamento engoliu mais de quatro milhões de hectares de Cerrado. A região é a maior fronteira de expansão agropecuária nacional desde os anos 1970. “A conservação não acompanhou esse processo e o Governo Federal não fez quase nada pelo Cerrado e outros biomas desde 2003”, avalia Ricardo Machado, diretor do Programa Pantanal-Cerrado da Conservação Internacional (CI).
Baseado em sugestões de entidades civis e do próprio governo, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade tem planos para criar por volta de um milhão de hectares em áreas protegidas no Cerrado nos estados do Maranhão, Goiás, Bahia e Piauí. Mas, sabe-se lá quando isso deve ocorrer. A Rede de Comercialização Solidária de Agricultores Familiares e Extrativistas do Cerrado, de Goiânia (GO), por exemplo, registrou no Instituto Chico Mendes pedidos para a criação de outras nove reservas extrativistas em Goiás, Minas Gerais, Bahia e Tocantins. As reservas somariam quase 205 mil hectares.
Cansados de esperar por iniciativas governamentais mais concretas pela proteção do bioma, a CI, a Oréades Núcleo de Geoprocessamento (GO) e a gigante do agronegócio Bunge deram o tiro de largada a uma aliança para tentar conter o desmate e promover a preservação do bioma em propriedades privadas e novas reservas. “Parece um ‘cansei ecológico’, mas estamos unindo quem usa o Cerrado para ganhar dinheiro e quem trabalha para mantê-lo. Sozinhos não conseguiremos nada”, diz Machado, em referência ao movimento Cansei iniciado por empresários paulistas em agosto após o acidente com o avião da TAM em congonhas.
A mineira Fundação Biodiversitas (MG) e a carioca MMX Mineração e Metálicos S.A. devem aderir em breve ao movimento. A idéia é justamente essa, atrair mais empresários e entidades civis para inserir o respeito à legislação ambiental no sistema produtivo e observar necessidades da produção em planos de conservação.
A cada ano, serão definidos locais para atuação da aliança. No restante deste ano e em 2008, os esforços serão concentrados em regiões onde a soja avança, como sul do Piauí e oeste baiano, no entorno do Parque Nacional das Emas (GO) e na Serra do Espinhaço (MG-BA). Estimativas mostram que só em Goiás seria necessário recuperar mais de 1,5 milhão de hectares de matas em reservas legais e áreas de preservação permanente, exigidas em lei.
Compra responsável Na contra-mão do trabalho tradicional de entidades civis, que partem para o enfrentamento direto, denúncias e mobilização pública contra a degradação ambiental, a CI e outras organizações têm se aproximado do empresariado. A entidade já atua com a Bunge há cerca de cinco anos na certificação ambiental e trabalhista de fornecedores de soja. A ong The Nature Conservancy – TNC atuou em projetos com Cargill e Monsanto. “Nosso perfil é técnico. Vale a pena tentar influenciar o comportamento empresarial oferecendo soluções”, aponta Machado, da CI.
Para o diretor de Comunicação Corporativa da Bunge, Adalgiso Telles, a aliança mostra que o empresariado e o terceiro setor podem unir competências comerciais e ambientais em benefício do Cerrado. Segundo ele, a empresa tem atuado para recuperar 180 mil hectares no Centro-Oeste e parte do Nordeste. “Estimulamos a criação de corredores ecológicos, apoiamos mapeamentos, recuperação de matas e outras iniciativas. Garantindo que nossos fornecedores produzam de forma sustentável, haverá impactos positivos nos negócios”, argumenta.
Criado em 1818, na Holanda, o grupo Bunge é um dos maiores conglomerados de agronegócio do globo. O faturamento de seu braço nacional foi de R$ 18 bilhões em 2006. A ele estão ligadas marcas como Manah, iap, Ouro Verde, Delícia, Primor, Cyclus e Soya. A empresa não planta um hectare sequer, compra grãos e outros produtos de 70 mil produtores de 16 estados – 80% seriam de pequeno porte, mas há sojeiros com propriedades maiores que 30 mil hectares. “Comprar também é uma responsabilidade. Queremos que nossos fornecedores cumpram, no mínimo e com rigor, a legislação socioambiental”, diz Telles.
A cana-de-açúcar não será esquecida. Suas lavouras crescem embaladas pela corrida dos biocombustíveis em regiões de Cerrado com boas vias para escoamento da produção, como Triângulo Mineiro, sul de Goiás e Mato Grosso do Sul. “Gostaríamos que o setor (sucroalcooleiro) já estivesse na aliança para que sua expansão fosse mais racional. Todos os produtores devem assumir seu papel na proteção do Cerrado, pois têm potencial para ajudar em recuperação e preservação, além de complementar o pouco que o governo está fazendo”, pondera Machado.
Sombreados pela Amazônia, o Cerrado e demais biomas brasileiros vivem de “pires na mão” atrás de mais recursos e de maior atenção governista para sua conservação. Com ocupação crescente e desregrada nas últimas três décadas, o bioma parece estar sendo sacrificado pelo bem da floresta tropical. O Cerrado já é responsável por 35% da produção agrícola nacional. “Foi construída a vocação [para o Cerrado] de produzir comida para o planeta, enquanto a Amazônia era tida como pulmão mundial e, agora, ela ganhou novo status pela urgência climática global. Mas não podemos mais produzir às custas da degradação ambiental”, alerta o membro da CI.
Enquanto a carruagem do desenvolvimento segue seu curso, o Cerrado já perdeu mais da metade de sua cobertura verde original e tem apenas 5,5% de remanescentes em áreas protegidas.
(Aldem Bourscheit,
O Eco, 01/11/2007)