Mary Jane Jagodzinzski esperava nervosamente a chegada de um “batalhão” de profissionais da construção. Tal como finalmente as coisas aconteceram, não precisava ter se preocupado tanto. Aproximadamente 40 arquitetos, gerentes de projeto e empreiteiros, de câmera na mão, chegaram em massa a Poway, ao norte de San Diego, no Estado da Califórnia. “O desembarque foi parte de uma visita a edifícios “verdes” destinada a apresentar um complexo de edifícios em que se economiza dinheiro e ajuda o planeta: Solara.
Os especialistas consideram que se trata do maior projeto habitacional do sul da Califórnia, e, talvez, dos Estados Unidos, que não só faz uso eficiente da energia, mas também é acessível em termos de custos. Solara representa a fusão de duas tendências na construção: o desejo de projetar casas amigáveis como o meio ambiente e o interesse das autoridades em conceder incentivos financeiros para fomentar a economia de energia. Nos Estados Unidos, uma casa típica emite anualmente, em média, quatro toneladas de dióxido de carbono por pessoas (17% do total que o país lança na atmosfera), segundo a Agência de Proteção Ambiental.
“Não é apenas uma questão de engenharia, trata-se de um assunto de sustentabilidade”, disse Jagodzinski, gerente de projetos da Community Housing Works (CHW), uma organização sem fins lucrativos dedicada a proporcionar moradia a um custo acessível para famílias de baixa renda. Os construtores enfrentam numerosos desafios para integrar as atuais tecnologias “verdes” com as necessidades de longo prazo dos moradores e da comunidade. Em Solara, painéis solares fotovoltaicos nos tetos e garagens geram 141 quilowatts, eletricidade suficiente para atender as necessidades de energia de cada domicílio.
A luz natural inunda os corredores. Eletrodomésticos que usam a energia de maneira eficiente, aquecedores de água sem tanques e outros elementos amigáveis com o meio ambiente reduzem drasticamente o impacto de carbono do complexo habitacional. As 56 unidades dão um novo significado ao termo “moradias econômicas’. Não se trata dos monótonos edifícios de concreto que lembram os projetos habitacionais, estilo fortaleza, construídos nos anos 60. Os moradores podem ir caminhando ao centro comercial que fica próximo. A paisagem que circunda o complexo habitacional inclui sálvia, flores silvestres e limoeiros. Muitos dos prédios de dois andares dividem um parque público, que une uma atmosfera bucólica com a comercial.
À margem da arquitetura agradável à visão, Solara contribui com o orçamento dos moradores. As contas de serviço não existem, aliviando as famílias de baixa renda de custos de energia que poderiam quebrar seus orçamentos. Devido ao ênfase dado pela CHW na melhoria da qualidade de vida para os lares pobres, Solara inclui um elemento de engenharia social que alguns poderiam chamar de doutrinamento. Para conservar o caráter “verde” do lugar, o pessoal de manutenção e os moradores recebem instrução para respeitar o espírito amigável com a ecologia local. Existem programas de enriquecimento cultural, em espanhol e inglês, para ensinar as crianças como ajudar a salvar o planeta.
Os moradores desejosos não têm a opção de se mudarem para Solara no futuro próximo. Os apartamentos foram alugados completamente poucos dias após serem ofertados e há 400 pretendentes em lista de espera. Além disso, cada candidato deve demonstrar que a renda familiar é inferior a 30% ou superior a 60% em relação à renda média por lar da região. O mercado imobiliário de San Diego é caro e tem um efeito-cascata sobre os moradores. O aumento no preço da moradia, unido aos baixos salários, impede muitos de comprarem uma casa.
Dados do Censo Nacional dos Estados Unidos indicam que o custo médio mensal para os proprietários de uma moradia que devem pagar hipoteca é de US$ 2.243 e que os inquilinos desembolsam US$ 1.154 por mês. Enquanto o custo dos alugueis aumentou em nível nacional 6,7% entre 2000 e 2005, em San Diego cresceu 27,2%, uma das maiores altas do país. O aluguel médio fica em US$ 1.237. Embora Solara não ofereça aos inquilinos a opção de comprar os apartamentos de forma imediata, os alugueis são muito mais baratos do que no mercado aberto: US$ 557 para um apartamento de dois ambientes e US$ 807 para um de 304 metros quadrados, com dois dormitórios e dois banheiros.
A falta de experiência da CHW na construção de moradias “verdes” não foi motivo de desânimo para seguir em frente, e contratou a U. S. Global Green, organização sem fins lucrativos com sede no balneário californiano de Santa Mônica especializada em aquecimento global e não-proliferação nuclear, para dar assistência técnica. Isso ajudou a manter os baixos custos e obter a melhor tecnologia disponível. Um dos diretores de programas da Global Green, Walker Wells, disse que “procuramos definir como seria o futuro”, ajudando no projeto de um edifício que, embora sendo de última geração, não brilharia como um cenário de filme de ficção científica.
Segundo seus cálculos, o impacto de carbono de Solara é de 1.880 toneladas, menos que um complexo habitacional de tamanho semelhante alimentado por fontes de energia convencionais. Isto equivale a eliminar 300 automóveis por ano ou plantar mais de 5.400 árvores. Adotar este enfoque ecológico encareceu o orçamento de construção de Solara em 2%, disse Jagodzinski. A CHW espera recuperar esse gasto extra no prazo de quatro a sete anos, em parte graças à economia de energia e aos subsídios que compensam os maiores custos. Ao que parece, construir casas ecológicas e de baixo custo tem suas vantagens.
A Comissão de Energia da Califórnia assume boa parte dos US$ 1,1 milhão exigidos pela instalação dos painéis solares voltaicos. Outros US$ 12 a titulo de crédito fiscal e subsídios tornaram possível levar adiante este projeto de US$ 16 milhões. Wells tem esperança de que Solara se converta em modelo para futuros projetos habitacionais públicos. A Global Green deu assessoria a 15 iniciativas semelhantes na Califórnia, cujo desenvolvimento está previsto ou prestes a ser completado.
Até o momento, são sócios de construtores em 20 Estados para levar adiante 8.500 moradias para famílias de baixa renda, como parte de uma iniciativa avaliada em US$ 555 milhões. Segundo o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano, existem atualmente no país 1,2 milhão de famílias vivendo em casas subsidiadas pelo governo. Se os incentivadores das moradias econômicas tiverem êxito, os edifícios “verdes” não serão apenas uma novidade para os proprietários ricos, mas um elemento comum na paisagem urbana.
(Por Enrique Gili,
IPS, 01/11/2007)
* Este artigo é parte de uma série sobre desenvolvimento sustentável produzida em conjunto pela IPS (Inter Press Service) e IFEJ (siglas em inglês de Federação Internacional de Jornalistas Ambientais).