Cientistas criticaram quinta-feira (01/11) uma proposta de organizações não-governamentais para acabar com o desmatamento na Amazônia nos próximos sete anos. A iniciativa, apresentada no início de outubro com o nome Pacto pela Valorização da Floresta e pelo Fim do Desmatamento, tem como princípio o uso de recursos públicos (R$ 7 bilhões no total) para premiar financeiramente fazendeiros, Estados e comunidades que deixarem de desmatar. Na prática, dizem os pesquisadores, isso significaria pagar as pessoas para cumprirem a lei, além de não garantir a conservação da floresta.
"É uma proposta extremamente temerária", disse o economista Francisco de Assis Costa, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). "Vão dar dinheiro para quem sempre desmatou: fazendeiro, madeireiro, grileiro", ressaltou a diretora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Ima Vieira. Ambos participaram ontem do seminário da Rede Temática de Pesquisa em Modelagem Ambiental da Amazônia (Rede Geoma), em Petrópolis (RJ). No encerramento do evento, os mais de cem pesquisadores presentes aprovaram uma carta de repúdio ao pacto da ONGs.
A idéia é valorizar a floresta em pé de forma a torná-la economicamente mais competitiva na comparação com a pecuária e a agricultura. A proposta das ONGs usa o conceito de pagamento por serviços ambientais que hoje são prestados "gratuitamente" pela floresta, como retenção de carbono e produção de chuvas. Assim, proprietários que deixassem de desmatar seriam pagos pela preservação dos serviços. O custo anual estimado é de R$ 1 bilhão. A proposta é assinada por nove grandes organizações: ISA, Greenpeace, Ipam, ICV, Conservação Internacional, TNC, Imazon, Amigos da Terra e WWF.
Para pesquisadores do Geoma, o mais lógico seria penalizar quem desmata ilegalmente, em vez de premiar aqueles que cumprem a lei. Para Ima Vieira, o pagamento por serviços ambientais só faria sentido em situação de legalidade. Não é o caso da Amazônia, onde quase todo o desmatamento é ilegal.
A geógrafa Bertha Becker, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), disse que a proposta "imobiliza de novo a Amazônia" ao sugerir que a floresta seja simplesmente mantida em pé, em vez de investir na exploração sustentável dos recursos florestais. "O que precisa ser remunerado é uma mudança de paradigma, para produzir sem destruir."
O mecanismo, segundo Costa, poderia até mesmo aumentar o desmatamento, ao injetar recursos num sistema carente de alternativas econômicas. "Alguns indivíduos poderão até parar de desmatar. Mas as forças de mercado que dependem dos produtos que esses atores fornecem hoje (como soja e carne) continuarão atuando. Alguém vai ter que atender a essa demanda", disse.
A proposta das ONGsR$ 7 bilhões seriam destinados a fazendeiros, Estados e comunidades pela preservação dos serviços ambientais prestados pela floresta. Esse valor seria o suficiente para zerar o desmatamento. R$ 1 bilhão, é a estimativa anual de recursos que financiariam quem conserva a floresta, bancados especialmente com dinheiro público.
(Por Herton Escobar,
O Estado de S.Paulo, 01/11/2007)