Risco, que já era conhecido, teve mecanismo elucidado por pesquisadores em trabalho publicado na ‘Science’
Pesquisadores do México e dos Estados Unidos elucidaram um mecanismo pelo qual insetos podem se tornar resistentes às toxinas usadas em plantas transgênicas. A descoberta pode ter implicações importantes para o manejo de pragas em plantios de milho e algodão geneticamente modificados, que tiveram variedades recentemente aprovadas no Brasil.
Assim como na agricultura convencional, a evolução de pragas resistentes é uma das principais preocupações com relação aos transgênicos. Os cientistas mostraram como uma proteína chamada caderina é essencial para que as plantas geneticamente modificadas do tipo Bt tenham o efeito tóxico desejado nos insetos. Ela atua como uma molécula receptora, à qual a toxina Bt precisa se ligar para agir no intestino das pragas.
“Sem essa acoplagem, não há efeito tóxico”, explica o especialista Celso Omoto, do Departamento de Entomologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP).
Para demonstrar isso, os cientistas produziram lagartas com o gene da caderina silenciado. Sem a proteína, os insetos deixaram de ser suscetíveis à toxina Bt.
Segundo Omoto, o trabalho é um alerta para que as regras de manejo de pragas sejam seguidas à risca a fim de se evitar a proliferação de insetos resistentes no campo. A resistência ocorre quando um animal naturalmente imune a uma toxina se multiplica na população, ocupando o lugar dos indivíduos não imunes que são mortos pela toxina. É o que ocorre nos cultivos tradicionais quando um mesmo pesticida é aplicado por muito tempo.
No caso dos transgênicos, o pesticida está dentro da planta. É um gene da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), inserido no genoma do vegetal, que comanda a produção de uma toxina mortal para lagartas, mas totalmente inofensiva para outras espécies (e, especialmente, para o ser humano). Quando a lagarta come a planta transgênica, a toxina ingerida liga-se à caderina e causa perfurações no intestino do inseto, que acaba morrendo de infecção generalizada - o que dispensa o uso de inseticidas químicos sobre a lavoura.
No caso de uma praga resistente, a vantagem da tecnologia desapareceria. Insetos naturalmente imunes (com alguma mutação que interfira na síntese ou na estrutura da caderina) existem na natureza. O desafio é garantir que eles não se multipliquem.
Segundo Omoto, isso pode ser feito com técnicas de manejo que reduzem a pressão seletiva sobre indivíduos resistentes. No caso do algodão, por exemplo, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) exige que 20% da área plantada com transgênicos seja cultivada com variedades tradicionais (chamadas áreas de refúgio), com o uso de inseticidas, de modo que eventuais insetos resistentes sejam eliminados.
Isso é especialmente importante no Brasil, onde o plantio é feito o ano inteiro, segundo Omoto - diferentemente do que ocorre nos EUA, onde a agricultura pára no inverno. As variedades transgênicas de milho e algodão aprovadas no País até agora são do tipo Bt. “O manejo precisa ser seguido à risca ou a tecnologia pode perder efeito em um curto espaço de tempo”, avisa Omoto. Segundo ele, “não há nenhum caso de resistência a plantas transgênicas registrado no mundo até o momento.” Mais de 32 milhões de hectares já são cultivados com variedades Bt no mundo.
Caso o manejo falhe, o trabalho publicado hoje apresenta uma alternativa molecular: a possibilidade de produzir toxinas Bt modificadas, capazes de “enganar” a resistência do inseto. Foi o que eles fizeram. Lagartas resistentes alimentadas com toxinas alteradas morreram. A pesquisa foi chefiada por cientistas da Universidade Nacional Autônoma do México. Os resultados estão publicados na revista Science.
(Por Herton Escobar, O Estado de S.Paulo, 02/11/2007)