Nos escritos do navegador Américo Vespúcio, quando avistou o imenso lagamar, em 1501, não há notícias sobre derramamentos de óleos, descargas de chumbo ou marés vermelhas de qualquer espécie. Os relatos da primeira expedição a desbravar a Baía de Todos os Santos, no dia 1º de novembro, descrevem uma paisagem virgem, intata e despovoada.
Ontem, numa nova e atual missão, exatos 506 anos depois, biólogos, historiadores, sociólogos, membros de organizações não-governamentais e pesquisadores de forma geral refazem parte dos caminhos percorridos pelo navegador. Redescobrem uma baía deteriorada, açoitada pelo progresso humano, mas que ainda exibe natureza deslumbrante e valiosas riquezas culturais.
Sem as imensas velas de lona que caracterizam as antigas embarcações, a nau motorizada parte em direção ao chamado quadrante nordeste, o mais devastado pela ação do homem. Antes, porém, ouve-se lições sobre o batismo da baía. Ao aportar aqui no Dia de Todos os Santos, Américo Vespúcio não poderia batizar com outro nome a enorme baía encantada. Da mesma forma, o povo que dali iria se desenvolver não teria alcunha diferente. “Somos baianos porque nascemos na cidade da baía”, ensina o especialista em planejamento de recursos ambientais José Augusto Saraiva, o Vespúcio da nossa expedição.
A viagem segue com tom ambientalista, confrontando-se o passado isento de poluições com o presente maculado, mas repleto de potencialidades limpas. Aponta-se para o Porto de Aratu. Ali, a descarga de materiais das petroquímicas compromete a atuação de pescadores e marisqueiras. Mais adiante, no complexo de Madre de Deus, as refinarias somam sua descarga ao esgoto trazido pelo Rio Subaé, com nascente em Feira de Santana. Enquanto isso, o turismo náutico e o velejamento ganham espaço sobre as desativadas fábricas de cimento, que em breve podem se transformar em hotéis. “É um momento de redescoberta. Hora de se buscar novos potenciais”, atesta o sociólogo e professor da Ufba Joviniano Neto.
Contaminação - Mesmo assim, algumas das 56 ilhas, próximas a Santo Amaro e São Francisco do Conde, ainda sofrem com a produção urbana de chumbo e cádimo. O próprio fundo da baía, que ainda guarda fauna e flora variadíssima, nunca apresentou tantos enigmas. Pelo menos não para os cientistas. À época das grandes navegações, os mistérios se revelavam em forma de desconhecidas espécies de animais e vegetais.
Hoje, os ambientalistas deparam-se com estranhas manifestações da natureza, causadas pela poluição. A recente maré vermelha que matou 50 toneladas de peixes e mariscos em povoados como Salinas das Margaridas, Saubara e Bom Jesus dos Pobres é considerada um dos grandes desastres ocorridos na Baía de Todos os Santos.
O excesso de esgoto jogado no mar pelo Rio Paraguaçu, vindo de São Félix e Cachoeira, teria favorecido a proliferação de algas marinhas, o que provocou a mortandade. “Cerca de 65% da produção pesqueira dos povoados foi afetada. Não há como negar o caráter de desastre desse acontecimento”, analisa o professor de riscos ambientais urbanos da Escola Politécnica da Ufba, Roberto Guimarães.
(Por Alexandre Lyrio,
Correio da Bahia, 01/11/2007)