Lei de podas de Porto Alegre é sistematicamente descumprida e poderá ser revogada
podas
2007-10-31
Revogar ou cumprir a lei que proíbe a poda e o corte de galhos de árvores entre setembro e abril? A Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Porto Alegre (Smam), mesmo sem se manifestar oficialmente a respeito, já pensa na primeira alternativa. Pelo menos são esses os comentários extra-oficiais que circulam no órgão, conforme a reportagem do AmbienteJÁ apurou.
Quase todos os dias, os incômodos são os mesmos, mudam apenas bairros e moradores. Barulho cortante de serra elétrica seguido de farfalhar de galhos caindo. Em poucos minutos, vão ao chão pedaços de árvores e até arbustos. Basta que toquem os fios da rede elétrica, galhos e qualquer outro tipo de vegetação estão condenados, mesmo que não tenham escolhido crescer nesses locais. Pássaros não têm voz, portanto não podem exigir o direito de fazer seus ninhos. E o impasse continua.
A Lei 10.237, de 11 de março de 1992, modificada pelo Decreto 10.258, de 3 de abril do mesmo ano, é bem clara: "Fica vedada a poda ou corte de galhos de qualquer espécime vegetal entre os meses de setembro e abril, salvo em situações especiais que serão estudadas caso a caso, pelo órgão municipal competente". "É a época da nidificação e de florescimento das árvores", justifica o advogado Caio Lustosa, ex-secretário municipal do Meio Ambiente, ao apoiar a proibição da poda nesse período, conforme a lei e o decreto que assinou quando estava à frente da Smam, em 1992.
Estamos em outubro, primavera e sabiás berrando. Na Rua Lobo da Costa, Azenha, uma equipe terceirizada pela Companhia Estadual de Energia (CEEE), da Cooperativa Riograndense de Eletricidade Ltda. (Coorece), tentou, por volta das 11h do dia 13 (sábado, em meio a um feriado nacional), podar uma árvore e um arbusto que apontava como problemáticos aos fios da rede de luz pública. No local, apenas funcionários da Coorece. Porém, "é vedada a execução de qualquer trabalho em árvores situadas em logradouros públicos aos sábados, domingos e feriados, exceto com a expressa autorização do secretário da Smam ou seu substituto legal, sendo que a execução destes trabalhos dar-se-á com a presença de um técnico da Secretaria", manda o artigo 4º da Lei 10.237/92.
O pedido, feito pelo supervisor Valmir Gonçalves Lisboa, da CEEE, e autorizado pelo engenheiro Luís Alberto Carvalho Júnior, CREA 102.766, matrícula na Smam 78.498-1, estava com a Coorece, mas a Smam não acompanhou o trabalho, como exige a lei. Moradores reclamaram, o trabalho parou. Apareceram o representante da CEEE, Nelson Minho Filho, e da Coorece, Milton Paulo de Jesus. A fiscalização da Smam veio depois, informou que há um acordo entre CEEE e Smam para este tipo de poda, dando a entender que a lei que exige sua presença nesse tipo de serviço, in loco, é para inglês ver, literalmente.
Nada mudou
Porto Alegre, Rua Lobo da Costa, Azenha, 30 de outubro. Cerca de duas semanas depois, por volta das 14h, o serviço interrompido no dia 13 foi realizado com a presença da Coorece (executora) e um representante da CEEE. Certamente a segurança dos cidadãos, no sentido de se evitarem riscos elétricos, quedas de árvores e galhos é importante, mas de que forma a Smam pode avaliar caso a caso, como diz a lei se atualmente são realizadas, em média, 7,5 mil podas por mês? Este é o número informado pela cooperativa para a área de abrangência da CEEE em todo o município de Porto Alegre.
Questionamos à Smam se seria possível analisar, caso a caso, 7,5 mil árvores candidatas a poda todos os meses, considerando que sequer a equipe da Secretaria acompanha este tipo de trabalho, como deveria, por lei. A Assessoria de Comunicação da Secretaria nos respondeu que "a Smam acompanha o trabalho, sempre que há uma reclamação, um técnico vai ao local verificar" e que não é necessário um estudo aprofundado para saber sobre a necessidade ou não da poda no "caso a caso". Ou seja, quando o cidadão chama, a Smam vem. Se ninguém reclama, vigora o não-cumprimento da lei. "Vai ser assinado, nos próximos dias, um termo de convênio mais completo com a CEEE, por meio do Departamento Jurídico da Smam", anunciou a Assessoria de Comunicação, ao ser indagada sobre o problema.
Poda banalizada
O ex-titular da Smam, Caio Lustosa, não cansa de observar os abusos contra a lei que vêm sendo cometidos com as podas na Capital (veja no final da página: http://jc.plugin.com..br/noticias.aspx?pCodigoArea=49). Segundo ele, todo este trabalho poderia ser realizado entre maio e agosto. "Para nós, o que se entende como situações especiais são casos graves, excepcionais", afirma, acrescentando que a prática da poda se banalizou, provavelmente por interesses econômicos.
O ambientalista Augusto Carneiro, que abraça a luta contra esta prática há décadas, insiste que "podas deveriam ser sempre proibidas, com exceção dos casos em que a CEEE é obrigada a cortar galhos por causa dos fios de eletricidade". Para ele, a lei, após o decreto, ficou ruim, malfeita, porque não é clara quanto aos limites do que pode ou não ser feito.
Dificuldades
Porto Alegre tem 1,2 milhão de árvores em vias públicas, conforme dados da última contagem da Smam. A Coorece, segundo o gestor de projetos Milton Paulo de Jesus, afirma que não há condições de realizar a poda somente entre maio e agosto porque o volume de trabalho é muito grande, boa parte das árvores cresce rapidamente, e a equipe é reduzida. São quatro caminhões com sete pessoas cada um, mais um engenheiro de segurança, totalizando 28 trabalhadores.
A CEEE, de acordo com ele, paga cerca de R$ 70 mil por mês para a realização das 7,5 mil podas. "Mal terminamos o trabalho numa zona da cidade, temos que começar na outra onde os galhos já cresceram. Um ano é o tempo que levamos entre um serviço de poda e outro no mesmo lugar. Então, não condiz com o cronograma previsto na lei", observa. "Em novembro, vamos fazer podas nas ilhas de Porto Alegre, depois vamos para a zona sul e depois para o centro da cidade", revela.
"Os treinamentos para as normas de segurança [NR 10, Segurança em Instalação e Serviços de Eletricidade, e NR 12, Segurança no Uso de Máquinas e Equipamentos, como motosserras] são caros, nem sempre temos condições de fazer todas as capacitações que a lei manda", afirma. Além disto, os funcionários da Coorece precisam fazer anualmente um treinamento sobre arborização urbana, o que aumenta ainda mais os custos.
Uma das alternativas para amenizar o problema, aponta Jesus, seria a ampliação da rede de cabos ecológicos, que possibilitariam "fazer a poda em 20 centímetros ao invés de um metro, por exemplo". Contudo, é uma opção cara, diz.
Participação popular
O gerente de projetos da Coorece acredita que é necessária maior participação da população para contornar os impasses de cortes de galhos, pois "meu pessoal sofre muito quando vai fazer o serviço". "Vamos ter uma reunião em breve para tratar de como alertar as comunidades sobre o nosso trabalho", informa. Para ele, a Smam deveria estar sempre presente em todas essas atividades, junto com as equipes da Coorece e CEEE. Aliás, a Resolução 05 do Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam), de 28 de setembro de 2006, prevê, em seu artigo 9º, a participação da população no trato da arborização, através de programas de educação ambiental a serem realizados pela própria Smam.
(Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 30/10/2007)