A Câmara dos Deputados pode dar, nesta quarta-feira (31/10), uma prova definitiva de que sua disposição para proteger o meio ambiente foi de vez para o espaço. No momento em que a bancada ruralista consegue avanços para enfraquecer a legislação sobre reservas legais, a Comissão Especial de Parcelamento do Solo para Fins Urbanos votará o Projeto de Lei 3057, que altera todas as regras sobre como os municípios devem lidar com suas áreas verdes. Muda para pior, pois permite loteamentos em Áreas de Preservação Permanente e diminui a vegetação obrigatória nas margens dos rios.
É difícil dizer precisamente quem é o autor do Projeto de Lei 3057. Ele está em nome do Bispo Wanderval, o primeiro deputado a apresentar, em 2000, uma proposta para alterar a lei de parcelamento do solo urbano, que data de 1979. No entanto, nos sete anos que se passaram da proposição inicial, foram agregados mais 20 projetos com fins semelhantes. Além disso, depois de passar na mão de quatro relatores, as emendas já passam das centenas. Só na última legislatura, quando o PL 3057 estava nas mãos do deputado Barbosa Neto, foram 77 emendas. Agora ele será votada na comissão especial antes de seguir ao plenário e ao Senado.
O que saiu deste balaio de sugestões, cujo o último relatório é do deputado Renato Amary (PSDB-SP) é um atentado contra a natureza. O PL muda o caráter público das Áreas de Preservação Permanente (APPs). Atualmente, mesmo que estejam em propriedades privadas, as matas ciliares, restingas, vegetação de dunas, encosta de morros são considerados bens do Estado. Na proposição sob apreciação na Câmara, as APPs passam a fazer parte do loteamento privado, o que facilitaria construção de cercas e muros que dificultem a conectividade das terras com vegetação.
A redução da proteção às áreas verdes urbanas se torna mais grave quando a proposta resolve alterar as regras para as matas ciliares. No artigo 14 do PL, a faixa de proteção nas margens dos rios passa a ser de 15 metros e não mais 30 como previsto no Código Florestal ou na resolução Conama 369. Não bastasse isso, o texto da lei diz que conforme o Plano Diretor municipal essa faixa pode ser ainda menor. Mas não é só isso. A proposição sustenta que a medição da largura do rio não será mais feita nos meses de vazante ou cheia, mas sim na seca. Isso significa que rios em planícies inundáveis, como hoje ocorre em municípios do Pantanal, poderiam simplesmente perder sua proteção.
“Se esta legislação for aprovada nós vamos perder o único instrumento de proteção do meio ambiente urbano”, afirma o ex-deputado e hoje consultor Fábio Feldman, que resolveu entrar na briga contra o PL 3057. Segundo ele, os ataques de deputados às APPs já são história antiga na Câmara. Mas Feldman se surpreende que isso ocorra neste momento em que o tema do aquecimento global tornou mais claros os benefícios ecológicos, e mesmo sociais, que oferecem a preservação de matas nos morros, mangues e margens de rios. “Esse PL é uma loucura”, ressume.
Embora trate das APPs urbanas, o PL 3057 tinha como maior finalidade a regularização fundiária de assentamentos de baixa renda. Tinha, pois em sua última versão, nos artigos 92 e 93 está dito que os dispositivos servirão para outros fins que não os sociais. Ou seja, condomínios de luxo, que ocupam áreas de preservação irregularmente podem sair ganhando com as proposições dos deputados. Quem decidirá o que poderá ser legalizado, inclusive sobre as APPs ocupadas, serão as prefeituras e câmaras municipais.
Para isso, as propostas do PL 3057 indicam que os municípios deverão se tornar mais ativos no licenciamento-urbano-ambiental - como define o próprio PL - de empreendimentos. Essa é na opinião do relator Renato Amary a maior vantagem deste projetos. “Não tratamos mais o município com um ente abstrado, mas como aquele que vive o dia-dia da regularização fundiária”, diz. O PL estabelece, por exemplo, prazos para os órgão municipais emitirem licenças ambientais para regularização fundiária. Em caso de atraso, os funcionário poderão ser demitidos.
Feldman acha que a descentralização dos licenciamentos só deve ocorrer se ficar provado que as prefeituras terão estrutura para averiguar os processos.Delegar simplesmente pode até resolver os problemas fundiários de assentamentos irregulares, mas certamente abrirá uma brecha enorme para o meio ambiente seja mal-tratado.
(Por Gustavo Faleiros, OEco, 30/10/2007)