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transgênicos passivos do agronegócio
2007-10-31
Debates sobre Recursos Genéticos e Agricultura, organizados na semana passada em Curitiba pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e ONG Terra de Direitos, dissecam pacote de medidas que visam alterações legislativas contrárias aos direitos de agricultores, povos indígenas e comunidades locais.

Quais os impactos das medidas que estão sendo discutidas pelo governo federal na área de agricultura para os recursos genéticos da agrobiodiversidade e aos direitos de pequenos agricultores, povos indígenas e comunidades locais? Essa preocupação comum reuniu entidades de trabalhadores rurais, organizações da sociedade civil e pesquisadores durante o seminário Recursos Genéticos e Agricultura, realizado em Curitiba nos dias 16 e 17 de outubro. Veja abaixo quais organizações estiveram presentes.

O alerta coletivo mostrou que o lobby do setor privado vem buscando emplacar algumas mudanças na legislação que regula o desenvolvimento, produção e uso de sementes que podem afetar a soberania e liberdade de uso de pequenos agricultores, povos indígenas e comunidades locais sobre seus recursos genéticos cultivados (agrodiversidade) e respectivos conhecimentos associados.

Por outro lado, as mudanças propostas poderiam criar vantagens para as indústrias que desenvolvem, comercializam e usam variedades de sementes melhoradas em laboratório. As alterações visam restringir o uso de sementes não registradas e o acesso ao seguro agrícola por aqueles que não usam sementes registradas, e eliminar os direitos de consentimento prévio informado, e repartição de benefícios, para o desenvolvimento de novas variedades protegidas a partir de variedades crioulas localmente cultivadas.

O seminário de Curitiba abordou as propostas de alteração da Lei de Proteção dos Cultivares (nº 9.456, de 25 de Abril de 1997) e alguns entraves provocados pela Lei de Sementes (nº 10.711, de 5 de Agosto de 2003). Com relação à lei de cultivares, as propostas visam restringir o direito do agricultor de guardar parte de sua colheita para usar como semente na lavoura do ano seguinte.

Isso porque, hoje, o agricultor que compra uma semente de propriedade de uma empresa tem o direito de guardar parte de sua colheita para usá-la como semente no ano seguinte, sem necessidade de pagar novamente royalties à empresa detentora da cultivar protegida. A proposta pretende eliminar esse direito, obrigando o pequeno agricultor a comprar semente todos os anos, garantindo assim a rentabilidade das empresas através da criação de dependência dos agricultores a seus produtos.

Na prática, a tentativa visa incluir o Brasil no grupo de países que adotaram a versão 1991 da União Internacional para Proteção das Obtenções Vegetais (UPOV), tratado internacional que rege o sistema de cultivares e restringe o exercício dos direitos de agricultores. O Brasil atualmente é signatário da UPOV/1978, quando o direito de guardar sementes estava contemplado.

Os principais defensores dessa proposta são o Ministério de Agricultura (MAPA) e a Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem), que firmaram posição em audiência pública realizada na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados em agosto passado, argumentando que o uso próprio de sementes seria um “mau hábito cultural" dos agricultores, que deveriam ser “reeducados para passar a usar sementes registradas”. Saiba mais aqui.

Com relação à lei de sementes, o seminário abordou o problema do seguro agrícola enfrentado pelos pequenos agricultores que acessam o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Até 2003, o acesso a crédito no Pronaf estava condicionado ao uso de sementes registradas no Registro Nacional de Cultivares (RNC), obrigando o agricultor a usar sementes de empresas em detrimento de sementes desenvolvidas localmente. C

om a aprovação da lei de sementes, essa distorção foi corrigida, mas outro problema permaneceu: o acesso ao seguro da agricultura familiar, quando ocorrem casos de perda da lavoura por seca prolongada, por exemplo, permanece condicionado ao uso de sementes registradas que constem do Zoneamento Agrícola de Risco Climático do MAPA. A situação atual, portanto, faz com que o pequeno agricultor cliente do Pronaf use sementes crioulas, por sua própria conta e risco, provocando insegurança na maioria dos agricultores e impelindo-os a aderir ao uso de sementes privadas.

Estrangular para incentivar o desenvolvimento tecnológico
As ameaças aos direitos de agricultores, povos indígenas e comunidades locais sobre sua agrodiversidade e seus conhecimentos associados não ficam apenas no campo do uso de sementes e do acesso a crédito. Também na fase de desenvolvimento tecnológico de novas cultivares as propostas em estudo visam estrangular ou simplesmente eliminar os direitos desses atores a partir de uma suposta necessidade de “aquecer” o mercado biotecnológico.

Essa luta se trava na discussão da proposta de lei de acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais, atualmente discutida a portas fechadas pelo governo. A atual legislação criou um órgão colegiado deliberativo, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), sob a competência no Ministério de Meio Ambiente (MMA), e garante os direitos de consentimento prévio informado - e repartição de benefícios - pelo uso de recursos genéticos ou conhecimentos tradicionais de povos indígenas e comunidades locais.

O MAPA pretende criar um sistema paralelo de acesso a recursos genéticos da agrobiodiversidade, gerido por um órgão sem mecanismo de controle social, que teria como competência facilitar o acesso a recursos fitogenéticos associados a agricultura para o desenvolvimento tecnológico de novas cultivares comerciais, dentro do âmbito de um sistema multilateral internacional entre bancos de germoplasma regulado pela Organização para Agricultura e Alimentação da ONU (FAO). Saiba mais aqui.

No sistema proposto pelo MAPA para gestão da agrobiodiversidade, os povos e comunidades interessados em receber benefícios deveriam cadastrar suas sementes crioulas para ter direito a receber um eventual percentual sobre royalties pagos apenas sobre cultivares que vierem a ser protegidas intelectualmente.

Esse cadastro seria condição para o exercício do direito de agricultores familiares, povos indígenas e comunidades locais, e exige informações como a descrição da variedade, a conservação em situação similar a de seu desenvolvimento, indicação do mantenedor de material reprodutivo representativo da variedade e depósito de amostra viva em coleção de caráter livre. Todas estas condições são difíceis de serem cumpridas por agricultores tradicionais ou indígenas.

Na prática, o procedimento inviabilizaria a concretização do direito, seja porque os bancos de germoplasma poderiam intercambiar cultivares sem identificar se sua origem advém de comunidade local ou indígena, ou porque existem outras formas de proteger a cultivar sem necessidade de repartir benefícios (por segredo industrial, por exemplo), ou, ainda, porque os agricultores tradicionais e indígenas teriam que liberar seus recursos e conhecimentos para fins comerciais para receber benefícios, renunciando a seus direitos plenos.

(ISA, 30/10/2007)



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