Uma fazenda
experimental de transgênicos da Syngenta no Brasil se transformou no terceiro
domingo de outubro em um cenário de horror logo depois da intervenção violenta
de uma milícia privada. Como resultado, duas vítimas fatais, entre elas Valmir
Mota de Oliveira "Keno", dirigente do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST). Além disso, outros camponeses feridos que algumas horas
antes haviam ocupado a fazenda da filial brasileira da multinacional suíça em
Santa Tereza do Oeste, a 540 quilômetros de Curitiba, na região sudoeste do
Estado do Paraná.
A partir destes
fatos, a empresa agro-química suíça - número um no mundo no setor
fito-sanitário e número três no mercado de sementes comerciais - é colocada
novamente no banco de réus pela opinião pública internacional. Hoje, em função
da violência contra os sem terra. Ontem, por "delitos comerciais" no
mundo inteiro e por sua ação contra o direito à soberania alimentar dos povos.
No 26 de outubro passado, importantes movimentos sociais brasileiros exigiram a
saída da Syngenta do país acusando-a de crimes contra os direitos humanos e
contra o meio ambiente.
MIlÍCAS PRIVADAS...
DA SYNGENTA
Conforme relatam
diversas fontes de organismos brasileiros de direitos humanos, os fatos
aconteceram com velocidade espantosa. Na madrugada do domingo, 21 de outubro,
um grupo de aproximadamente 150 camponeses do MST e da Via Campesina ocuparam a
área da Syngenta para denunciar o cultivo ilegal de sementes transgênicas de
soja e de milho.
Sete horas mais
tarde, pouco depois de meio-dia, um micro-ônibus com mais de 40 agentes
integrantes de uma milícia privada chegaram ao local. À queima roupa,
assassinaram com dois tiros no peito o militante agrário e balearam outros cinco
agricultores. Outros dois dirigentes do MST conseguiram esconder-se e salvar
suas vidas.
É a história de um
massacre anunciado. Apenas três dias antes, no dia 18 de outubro, uma delegação
da Comissão dos Direitos Humanos e de Defesa das Minorias do Congresso Nacional
brasileiro havia participado de uma Audiência Pública em Curitiba. O objetivo
desta foi conhecer in loco as denúncias sobre a formação e a atuação de
milícias privadas no Paraná. Um dos dois Estados brasileiros com maior índice
de violência contra trabalhadores sem terra.
Segundo a Comissão
Pastoral da Terra - CPT - ligada à Conferência Nacional dos Bispos católicos
deste país sul-americano -, o Paraná foi o lugar de maior quantidade de
conflitos agrários em todo país durante o ano de 2006 com 76 casos. Neste
Estado, os proprietários rurais articulados na União Democrática Ruralista e na
Sociedade Rural do Oeste "patrocinam grupos paramilitares sob fachada de
empresas de segurança para realizar
desocupações ilegais e ameaçam cotidianamente a vida de
trabalhadores rurais, estabelecendo um
clima de terror", declara o documento de acusação elaborado pela ONG de
direitos humanos "Terra de Direitos" e a Pastoral da Terra, analisado
em Curitiba pela Comissão Parlamentar durante a recente audiência especial.
Mesmos que a
Syngenta negou que a Sociedade de Segurança "NF" presente em sua
fazenda experimental esteja autorizada a portar armas, sua responsabilidade em
fatos como os ocorridos não é nova. No 20 de julho passado, no assentamento
Olga Benário sito no mesmo município, ao lado da fazenda experimental da
Syngenta, várias famílias do MST foram "gravemente ameaçadas por agentes
de segurança fortemente armados e contratados pela referida
multinacional", como indica o mesmo documento de "Terra de
Direitos".
De acordo com o
Boletim de Ocorrência lavrado nesta oportunidade na delegacia de polícia do
lugar, "agentes de segurança da empresa Syngenta invadiram sua área e lá
permaneceram por aproximadamente quarenta minutos", efetivando disparos de
grosso calibre durante a noite".
Seis dos pontos
exigidos pelo documento de denúncia, apresentado às autoridades legislativas
durante a Audiência Pública em Curitiba no dia 18 de outubro, apenas dois dias
antes do massacre de Santa Tereza do Oeste são conclusivos e permitem prever a
tragédia. Exigem a realização de uma investigação séria, efetiva e imparcial
sobre a formação, treinamento e contratação de milícias privadas no Estado do
Paraná. Além disso, a investigação de empresas de segurança de fachada como a
"NF" - contratada pela Syngenta - e a origem de suas armas.
"Terra de Direitos", a Comissão Pastoral da Terra e o MST também
demandam providências para que não se repita a violações de direitos humanos e
seja garantida a integridade dos trabalhadores rurais.
SYNGENTA, PESTICIDAS
TÓXICOS E SEMENTES "TERMINATOR"
Em 2006, a
"Declaração de Berna", uma reconhecida organização suíça de
informação e sensibilização, lançou uma campanha de correio eletrônicos
"Stop Paraquat", reforçada por inúmeras ONGs do mundo inteiro. Esta
exigia da Syngenta a interrupção imediata da produção e da comercialização
deste agrotóxico, extremamente perigoso e nocivo à saúde humana.
O ‘Paraquat’ é
vendido em mais de cem países com o nome genérico de ‘Gramoxone’ e representa
uma parte importante dos lucros da transnacional com sede em Basiléia, que no
período de 2006 acumulou ganhos líquidos declarados na ordem de 900 milhões de
dólares. Lucros estes que "causaram milhares de mortes", como destaca
a Declaração de Berna no documento base de sua campanha.
Apesar das críticas
públicas que iniciaram já nos anos 60 e das campanhas sistemáticas de denúncia
contra a Syngenta - nascida em 2000 da fusão dos setores agro-químicos da
Novartis suíça e do consórcio anglo-sueco AstraZeneca - o Gramoxone continua
aumentando sua comercialização, como comprovam as novas instalações inauguradas
na China. Até o momento, apenas uma dúzia de países proibiram ou limitaram
significativamente o uso do Paraquat.
Em maio deste ano,
diversas organizações da Ásia, África e Europa apresentaram uma denúncia contra
a Syngenta na Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
(FAO). A razão da denúncia é o fato de a empresa suíça não respeitar os
compromissos estabelecidos no marco do código de conduta da FAO, especialmente
seu Artigo 3.5 que conclama a evitar os agrotóxicos extremamente nocivos. Em
julho do ano passado, a Corte de Justiça Européia também se pronunciou contra o
produto referido.
Por outro lado, em
março de 2006, mais de vinte organizações camponesas, de cooperação para o
desenvolvimento e de proteção ao meio ambiente da Suíça, exijam em uma carta
enviada ao Governo suíço que o mesmo se comprometa "ativamente a favor da
proibição a nível mundial das plantas transgênicas ‘Terminator’". Syngenta
está particularmente ativa no desenvolvimento destas sementes e de outras
tecnologias similares, conforme denunciam as organizações da sociedade civil.
As plantas do tipo ‘Terminator’ produzem sementes estéreis que apenas
possibilitam uma única colheita. Os camponeses não podem voltar a usar as
sementes colhidas no próximo plantio.
Conforme a denúncia
de março de 2006 das organizações suíças, "o único objetivo desta
tecnologia é dominar o mercado de sementes e assegurar o controle da
alimentação mundial... o que implica em uma violação flagrante ao direito
humano à alimentação".
A temática do
‘Terminator’ dominou parte da atenção nos debates e nas reflexões na 8ª.
Conferência da Convenção das Nações Unidas sobre a Biodiversidade realizada no
final de março de 2006, justamente em Curitiba, Brasil. Exatamente neste
momento, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil e a Via
Campesina ocuparam de forma simbólica as instalações da Syngenta em Santa
Tereza para protestar contra "o plantio ilegal de soja e milho
transgênicos", como informou neste momento Swissinfo, a agência suíça de
informação internacional em seu portal de internet.
O eixo de tensão
entre o MST e a Syngenta era o plantio experimental de 120 hectares de sementes
transgênicas realizado dentro da zona de proteção ambiental do Parque Nacional
do Iguaçu. No final de 2006, o Governador do Estado do Paraná decretou a
desapropriação da área referida, no mesmo tempo em que o Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA sancionava a
transnacional suíça com uma multa de quase meio milhão de dólares pelas
violações do marco legal brasileiro.
Estratagemas
dilatórios, recursos jurídicos, campanhas publicitárias e ofensivas nos meios
de comunicação permitiram a Syngenta escapar das acusações da justiça e das
ordens de desapropriação. Estes mesmos métodos parecem repetir-se hoje para
livrar-se de toda responsabilidade nos fatos do massacre de Santa Tereza do
Oeste e de seu tendal da morte.
(Por Sergio
Ferrari*, Adital, 29/10/2007)
* Colaborador da
Adital na Suiça.