Execução de um militante do Movimento Sem Terra por milícia privada a serviço da multinacional é desdobramento trágico de combate entre indústrias de biotecnologia e agricultura familiar e comunidades tradicionais. Em março de 2006, durante a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina ocuparam um campo ilegal de experimentos de transgênicos da multinacional Syngenta, situado próximo aos limites do Parque Nacional de Iguaçu, no Paraná, em um protesto contra a liberação indiscriminada e ilegal de cultivos transgênicos no meio rural.
A ação de resistência do movimento social permanece até hoje e teve, no último domingo, 21 de outubro, um desdobramento trágico: empregados de uma empresa de segurança privada contratada pela Syngenta invadiram o acampamento e dispararam contra as pessoas, matando uma e ferindo cinco (ver nota abaixo). O episódio de violação de direitos humanos deflagrou reações veementes da sociedade civil, ganhando eco até nas Organizações das Nações Unidas (ONU). As organizações Terra de Direitos, Via Campesina e Justiça Global enviaram um relatório para o relator de Execuções Sumárias da ONU, Phillip Alston, solicitando providências contra a contratação de milícias privadas armadas.
A violência no campo é apenas uma das faces de um movimento mais amplo, conduzido pelo lobby das indústrias de biotecnologia na área da agricultura, que se estende aos gabinetes ministeriais em Brasília. Atualmente existem pelo menos três iniciativas que atentam contra os direitos dos agricultores restringindo os direitos de agricultores familiares, povos indígenas e comunidades locais que mantêm conhecimentos e desenvolvem sementes para uso local. Em resumo, estas tentativas de mudar a lei pretendem restringir o direito dos agricultores de guardar sementes para uso próprio, condicionar o acesso a crédito agrícola ao uso de sementes registradas pelas multinacionais, e facilitar o acesso das empresas a sementes crioulas, desenvolvidas e mantidas localmente, para o desenvolvimento de novas cultivares privadas, sem a necessidade de consentimento ou repartição de benefícios com os respectivos detentores desse patrimônio. Saiba mais aqui.
Leia abaixo segue a íntegra da nota lançado por organizações da sociedade civil Terra de Direitos, Via Campesina e Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.Brasília, 22 de outubro de 2007
Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça
Tarso Genro
Excelentíssimo Senhor Governador do Estado do Paraná
Roberto Requião
Senhor Ministro
Senhor Governador
As organizações de Direitos Humanos abaixo mencionadas, vêm manifestar o seu profundo pesar pela tragédia ocorrida no município de Santa Tereza do Oeste, estado do Paraná.
Durante um ataque de homens armados contratados pela empresa Syngenta Seeds, foi assassinado um militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, Valmir Mota de Oliveira e atingido por disparos um segurança da empresa NF Segurança, possivelmente por disparos deflagrados pelos próprios seguranças durante o ataque.
Ressaltamos que a situação no local continua tensa. Os trabalhadores sem terra acampados na região e especialmente as lideranças do MST Celso Barbosa e Célia Aparecida Lourenço – que foram perseguidos pelos pistoleiros durante o ataque - permanecem sob ameaça. É essencial que sejam tomadas medidas para garantir sua segurança e evitar novo assassinato.
A transnacional Syngenta Seeds deve ser responsabilizada pelos fatos ocorridos. Apesar de conhecer a questão agrária brasileira, em que a atuação das milícias privadas no campo é uma das maiores causas da violência contra trabalhadores rurais, a Syngenta contratou, pagou e determinou que uma “empresa de segurança” atacasse os trabalhadores acampados no Campo Experimental em que a transnacional desenvolvera experimentos ilegais até março de 2006, admitindo o risco de que ocorressem violações de Direitos Humanos.
A tragédia ocorrida no último domingo não foi o primeiro ato de violência dos seguranças contratados pela Syngenta. Em dezembro de 2006, quando proprietários rurais organizados pela Sociedade Rural do Oeste do Paraná, agrediram militantes do MST em Cascavel, funcionários da empresa Syngenta foram reconhecidos entre os agressores. No dia 20 de julho no assentamento Olga Benário, localizado ao lado da fazenda experimental da Syngenta, famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram gravemente ameaçadas por “seguranças” fortemente armados, contratados pela referida empresa multinacional.
Conforme depoimento no Boletim de Ocorrência registrado na Delegacia de Santa Tereza do Oeste, sob o n° 108/07, “seguranças da empresa Syngenta invadiram seu terreno, e lá permaneceram por mais ou menos uns quarenta minutos”. Segundo relatos dos agricultores, estes indivíduos efetuaram disparos de arma de fogo de grosso calibre durante a noite, sendo que ameaçaram inclusive crianças do local. Relataram ainda que os “seguranças” apontaram e até mesmo engatilharam as armas de fogo contra a senhora CARMÉLIA PADILHA PEREIRA (conforme cópia do boletim de ocorrência que segue em anexo). Ao final, atiraram contra uma bandeira do MST, e a levaram embora como forma de intimidar as famílias.
Organizações de Direitos Humanos denunciaram este fato e a Polícia Federal realizou uma operação em que chegou a ser presa, sob acusação de porte de armas e munições ilegais, uma das proprietárias da empresa de Segurança, srª Maria Ivanete Campos de Freitas. Um inquérito policial (383/07) foi instaurado para apurar os fatos. Conforme informação da Policia Federal, assinada pelo Delegado José Alberto de Freitas Iegas, “a maioria das pessoas contratadas pela empresa NF não têm capacitação/autorização para atuarem como seguranças particulares, agindo assim na ilegalidade, e, inclusive, conforme consta nos depoimentos dos integrantes do Movimento Sem Terra, vários deles vem incorrendo no crime de Porte ilegal de arma de fogo”. (Ofício 062/07 – GAB/DPF/CAC/PR de 20 de setembro de 2007).
Ainda assim, a transnacional continuou utilizando os serviços da NF Segurança e pagando para que a mesma ameaçasse os trabalhadores rurais da região. A contratação de milícias privadas configura a formação de grupos paramilitares e é vedada pela Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XVII, além de configurar crime de formação de bando ou quadrilha.
Assim, esperamos que o Estado brasileiro tome as providências cabíveis para punir a empresa Syngenta Seeds, para que crimes como este não permaneçam impunes.
Associação Brasileira pela Reforma Agrária - ABRA
Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos – ABRANDH
CEAP Centro de Educação e Assessoramento Popular
Comissão Pastoral da Terra - CPT
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC
Centro de Justiça Global
Fala Preta
FASE - Solidariedade e Educação
FIAN Brasil
Terra de Direitos
(
ISA, 26/10/2007)