Vacaria - O gerente Luis Henrique Abel olhava três silos de armazenagem de grãos da EZ Cereais arrancados do chão e parecia não acreditar no que via. As estruturas de aço galvanizado às margens da BR-285, em Vacaria, têm 20 metros de altura cada uma e foram amassadas pelo vento como se fossem de papel. Esse foi um dos estragos causados pela chuvarada que caiu por cerca de 30 minutos na cidade na noite de domingo. A prefeitura contabilizou cerca de 200 residências, prédios públicos e empresas destelhadas, mas não havia registro de desabrigados ou feridos. O vento forte derrubou 10 torres de distribuição de energia elétrica, o que acarretou em falta de luz e água na cidade e também em Monte Alegre dos Campos, Campestre da Serra, Muitos Capões e Bom Jesus por pelo menos 24 horas.
O temporal começou por volta das 21h de domingo e veio acompanhado de vento forte e granizo. Segundo um pluviômetro instalado no quartel do Corpo de Bombeiros, choveu 50 milímetros entre as 20h de domingo e 8h de segunda. A média normal para um dia é de 10 milímetros. Os ventos teriam ultrapassado a marca de 130 Km/h, segundo a Defesa Civil. Em pelo menos sete bairros, casas foram destelhadas. Ao longo da BR-285, funcionários da concessionária do trecho trabalhavam ontem para remover árvores que caíram às margens da pista.
Ajuda de vizinhos Nos bairros, mutirões de vizinhos se formavam para consertar as casas. Enquanto amigos ajudavam a refazer o telhado de zinco arrancado pelo vento, a dona de casa Eva Neves da Silva, 50 anos, tentava arrumar o interior da residência. Há 25 anos morando no bairro Municipal, ela nunca tinha visto temporal como o de domingo. Mesmo com o forro de madeira no teto, a água invadiu a residência e molhou móveis e roupas.
- As telhas de zinco voavam. Amanhecemos o dia tirando coisas para fora da casa - contou Eva.
Em outro ponto do bairro, o aposentado Sílvio Branco, 74, auxiliava os vizinhos enquanto aguardava a chegada de novas telhas para sua moradia. Ele passou a noite de domingo acordado. A casa onde mora sozinho não tem forro no teto. Quando metade do telhado foi levado pelo vento, a chuva atingiu quase tudo. Mesmo assim, ele não perdeu o bom humor.
- Preciso de um balde. Para quê? Para molhar o que ainda não molhou - dizia aos risos.
Questionado como conseguia manter o astral mesmo em meio a calamidade, respondeu prontamente:
- Não aconteceu nada comigo nem com ninguém. Quer que eu chore? Não, né?
Prejuízo em empresas - A voz de Abel, gerente da EZ Cereais, embargava em alguns momentos ao olhar para os silos destruídos. De 11 estruturas de propriedade da companhia, nove foram danificadas - quatro delas, destruídas totalmente. Correias e elevadores para transporte de grãos foram destruídos e uma parede de tijolos de um galpão veio abaixo. Os três silos desprendidos do chão estavam vazios, aguardavam a próxima safra de trigo que iniciaria no mês de novembro. Abel estimava que serão necessários 60 dias para retomar parcialmente as atividades e seis meses para a reconstrução total. Segundo o gerente, toda a estrutura da empresa está avaliada em R$ 7 milhões. Ele acredita que o prejuízo possa chegar a 70% desse valor.
O gerente da granja Solar Comércio e Agronegócios, Adelson Nicolodi, também não sabia precisar o valor financeiro dos estragos. Foram totalmente destruídos dois aviários, na localidade de Capão do Índio, onde ficavam cerca de 32 mil pintos de até cinco semanas. Uma máquina para aquecer os animais em uso há apenas duas semanas, que havia custado R$ 15 mil, foi danificada. Além de ovos quebrados, centenas de aves mortas formavam um grande tapete em frente aos escombros. Toda a ração das aves ficou molhada e precisará ser descartada. Sem água, Nicolodi não sabia como alimentar os bichos sobreviventes.
Cidade às escuras A falta de água e luz durante toda a segunda-feira causou transtornos principalmente no comércio. Na área central, diversos estabelecimentos fecharam as portas ainda pela manhã. Nem sinaleiras nem caixas eletrônicos de bancos funcionavam. No Supermercado Kellermann, velas acesas foram colocadas em cima de latas de azeite e espalhadas pelos corredores. A gerente Maristela Furlanetto precisou cancelar o pedido de carnes e de leite que receberia ontem. Os produtos perecíveis do mercado foram mandados para a matriz, onde há um gerador de energia.
As 10 torres de alta tensão que caíram estavam sendo consertadas ontem por técnicos da Rio Grande Energia (RGE). A falta de água foi ocasionada porque a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) precisa de energia elétrica para bombear o líquido e não possui gerador na cidade. A previsão da RGE era que a luz retornasse no início da noite. O abastecimento deveria ser normalizado aos poucos, assim que a energia voltasse.
O prefeito de Vacaria, José Aquiles Susin (PMDB), decretou situação de emergência. A prefeitura montou uma central para receber doações de roupas e comida no centro de eventos do Mercado Público.
- A situação é feia. Tivemos uma creche destelhada e uma escola agrotécnica que estava sendo construída e ficou sem telhado. Estamos trabalhando com equipes de remoção de entulhos e recomposição de casas - disse Susin.
Prejuízos pelo EstadoAlém dos Campos de Cima da Serra, as regiões Sul, Norte, Noroeste, Central, Vale do Rio Pardo e Fronteira Oeste também sofreram com a chuva, granizo e ventos fortes entre domingo e ontem. Em Guaporé, cerca de 50 famílias tiveram as casas danificadas e o núcleo da Universidade de Caxias do Sul (UCS) ficou parcialmente destelhado. Na cidade de Panambi, no Noroeste, cinco minutos de granizo na madrugada de ontem provocaram danos nos telhados de aproximadamente 1,5 mil casas.
Cidades atingidas- Bom Jesus: Não houve registro de danos por causa da chuva. Até o final da tarde, a cidade estava sem energia elétrica
- Campestre da Serra: Não houve registro de estragos em residências e empresas. A cidade ficou sem luz desde o final da noite de domingo e sem abastecimento de água ontem
- Jaquirana: A energia elétrica foi restabelecida no final da manhã e não houve danos nem corte no abastecimento de água
- Monte Alegre dos Campos: Não houve registro de casas danificadas, mas a cidade estava sem energia elétrica até o começo da noite
- Muitos Capões: Não houve registro de casas e empresas danificadas, mas a cidade estava sem energia elétrica até o começo da noite
- São Francisco de Paula: A cidade teve a energia elétrica restabelecida ontem e não houve registro de danos à residências
- Vacaria: cerca de 200 imóveis destelhados. A população ficou sem energia elétrica e abastecimento de água desde o final da noite de domingo. Para quem quiser auxiliar com doações de roupas e comida, a prefeitura montou uma central de doações no Mercado Público. O telefone é (54) 3231.3013, com Ana Varaschin
* Em Vacaria, Campestre da Serra, Bom Jesus, São Francisco de Paula e Jaquirana, o abastecimento de água pela Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) será normalizado de acordo com o restabelecimento da energia elétrica pela RGE, que atende a essas cidades
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Pioneiro, 30/10/2007)