Climatologias e especialistas em poluição do ar da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) foram convocados pelo Ministério Público Estadual e a Ministério Público Federal para analisar dados de focos de queimada que ocorreram este ano em Mato Grosso como também o índice de toxidade da fumaça que pairou em Cuiabá durante os meses de agosto, setembro e nas primeiras semana de outubro. Os estudos fazem parte das investigações de dois inquéritos civis nas esferas estadual e federal instaurados há um mês e a responsabilidade pelo aumento de focos de queimada este ano, em torno de 72% segundo dados anunciados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e ONGss ambientalistas. Mesmo com a chegada das chuvas, a Defesa Civil manteve até agora a proibição de queimadas pois regiões como o Araguaia, os focos de queimada ainda são detectados na região.
Durante os meses de agosto e setembro, Cuiabá sentiu "na pele" a gravidade do problema das queimadas .A população respirou dias seguidos de fumaça carregada de gases tóxicos. Climatologistas, especialistas em gases quimicos e pneumologistas alertam: as queimadas estão reduzindo a expectativa de vidas dos mato-grossenses. A climatologista e professora do Departamento de Geografia da UFMT, Gilma Tomasini Maitelli fez vários alertas em relação ao excesso de fumaça no ar da Capital e recomendou que as queimadas sejam definitivamente proibidas durante todo o ano. A pesquisadora explica que a população cuiabana sempre é mais prejudicada com a fumaça das queimadas por estar situada numa posição geográfica que permite a concentração e deposição da fumaça produzida em quase todo o Estado. "Estamos numa grande planície, a 160 metros do nível do mar , entre duas grandes chapadas; dos Guimaraes e Parecis. O que ocorre é que com as correntes de ar, as núvens de fumaça que passam pela Capital oriundas de outras regiões acabam se concentrando e ficam estacionadas no ar".
Gilda diz também que a fuligem em contato com o vapor de água acaba condensando em gotinhas muito pequenas de água insuficientes para formar chuvas. Ela alerta também para a acidez das primeiras chuvas que acabam sendo um problema para a produção de alimentos, hortifrutigranjeiros e a agricultura de modo geral. "Tudo fica contaminado no solo e na água, é hora de repensar até que ponto a saúde humana, o meio ambiente e a economia rural estão sendo prejudicados com as queimadas".
Contaminação - Os mato-grossenses parecem não ter a menor idéia do que estão respirando durante os meses de queimada e dos graves riscos que são submetidos ao serem obrigados a conviver com a fumaça, falta de umidade e chuvas ácidas. No mês passado, a reportagem de A Gazeta divulgou o primeiro alerta quanto a toxidade dos gases formados pela queima de compostos orgânicos, feita pelo presidente da Sociedade Brasileira de Alergia e Imunopatologia (regional Mato Grosso), Celso Taques Saldanha, que fez um amplo estudo para sua tese de mestrado e que está sendo apresentada esta semana durante o 34º Congresso na Costa do Sauípe, na Bahia.
O estudo relaciona diretamente os efeitos das queimadas com o surgimento de doenças imunológicas, como asma e bronquites em geral .
Numa avaliação esporádica feita pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) para avaliar a qualidade do ar entre os dias 18 e 23 de setembro, foi constatado índices de 262,4 a 418 microgramas por metro cúbico de particulas totais em suspensão no ar, quando o recomendado pela Resolução Conama 03/1990 determina padrões até 240 microgramas por metro cúbico para um pradão primário e 150 microgramas para padrão secundário.
O mais agravante é que esse nível de poluição não deve ocorrer mais que uma vez por por ano em 24 horas.
Ao mesmo tempo, a queima de vegetação produz temperaturas acima de mil graus centígrados e isso proporciona que minerais presentes no solo sejam evaporados, dentre eles metais pesados como como mercúrio , chumbo , cádmo. Ao chegar na atmosfera esses metais entram em contato com o oxigenio e se transformam em óxidos metálicos que também ficam em suspensão no ar e como a fuligem são introduzidos no organismo humano através da respiração.
"A população respira gases extremamente tóxicos e nocivos a saúde humana, como o monóxido de carbono , metano, enxofre, ozônio, entre outros", comenta o professor de Engenharia Sanitária da UFMT, Paulo Modesto.
Paulo Modesto alerta que o mais preocupante a saúde humana são os gases com alto poder de toxidade produzidos nas queimadas como o monoxido de carbono(CO), óxido de nitrogênio, metano e o ozônio. Ele destaca o CO como um dos mais nocivos do ponto de vista da toxidez pois " tem uma afinidade 200 vezes maior que o oxigenio pela emoglobina do sangue. "Daí que as concentrações elevadas e por muito tempo de exposição comprometem a saúde", comenta. O Conama recomenda que os níveis de CO no ar não devem ultrapassar a 9ppm (partes por milhão) em até 8 horas.
Dados do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos(CPTEC) do Inpe demonstraram, que em agosto Mato Grosso emitiu 8.145.210 toneladas de CO e em setembro 9.817.110 toneladas. O problema maior é a concentração do gás no ar. Só para se ter uma idéia, no dia 25 de setembro Mato Grosso teve a concentração de 3 ppm de CO no ar durante 24 horas. "Esse gás no organismo chega a provocar perda de noção do tempo e até problemas de coordenação motora", alerta.
Calor - O nitrogênio em excesso no ar e em contato com as altas temperaturas das queimadas permite a oxidação e formam o óxido de nitrogênio. Em contato com a luz solar o óxido de nitrogenio produz o ozônio de baixa altitude e ao ser respirado pelos humanos causam inflamações pumonares. Modesto diz que todos os anos os mato-grossenses , principalmente os cuiabanos "comem fumaça" e que se esta situação permanecer nas próximas décadas Mato Grosso poderá ficar inabitável nos períodos de queimadas.
Ele conta que há dois anos a reitoria da UFMT foi convidada pelo Estado a apresentar projeto de implantação de um Programa de Monitoramento da Qualidade do Ar em Cuiabá de forma permanente, com 3 estações fixas e uma móvel com medições também em Chapada dos Guimarães e Sinop. "Não adianta fazer medições esporádicas e sem metodologia apropriada para fazer uma avaliação dos principais componentes emitidos pelas queimadas", diz. O pneumologista Clovis Botelho ratifica as preocupações do professor Paulo Modesto com relação ao excesso de CO no sangue da população.
"Com certeza a exposição da população a fumaça das queimadas durante meses e por anos consecutivos vem reduzindo a expectativa de vida dos mato-grossenses", diz.
Outro lado - O superintendente de Infra-Estrutura , Mineração , Indústria e Serviços da Sema, Salatiel Alves de Araújo concorda de que houve desrespeito a lei de proibição mas diz que vem fazendo um amplo levantamento dos dados dos nove satélites que hoje monitoram queimadas e desmatamentos no Brasil e deverá contestar os dados. "Cada satélite trabalha de forma diferente e apresentam erros. Não acredito que esteja havenod uma tendência de aumento de desmatamento e queimadas", explica. O levantamento de Salatiel trabalha com 60 imagens de um mesmo local, horário e dia, para os anos de 2005, 2006 e 2007.
(Por Josana Sales,
Gazeta Digital, 29/10/2007)