Ampliação da Aracruz é ovacionada durante audiência pública em Guaíba (RS)
guerra das papeleiras
eucalipto no pampa
aracruz/vcp/fibria
2007-10-29
"Foi barba, cabelo e bigode". A expressão de um dos organizadores ao final do evento sintetiza bem o que foi a Audiência Pública em que a Aracruz expôs à comunidade o projeto de ampliação de sua fábrica de celulose em Guaiba. O projeto industrial da empresa prevê investimentos de US$ 1,3 bilhão para instalar uma nova linha de produção junto à unidade atual, ampliando a capacidade das atuais 450 mil para 1,8 milhão de toneladas de celulose ano.
A licença prévia para o empreendimento já foi concedida em junho de 2006. Agora está em fase final de análise o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) para a licença de instalação. A empresa pretende iniciar a implantação da nova linha no início do ano que vem, para concluir as obras até o final de 2009 e entrar em operação em 2010.
Realizada no ginásio municipal de Esportes, dr. Ruy Coelho Gonçalves, o Coelhão, na noite de quinta-feira (25/10), a audiência, marcada para as 19 horas, foi precedida de uma "abertura política", em que vereadores, prefeitos e deputados da região, favoráveis ao projeto, se sucederam ao microfone enaltecendo a empresa, as oportunidades de emprego, a arrecadação de impostos, e outros benefícios do projeto, arrancando aplausos do publico, cerca de 1.500 pessoas, a maioria, trabalhadores da indústria, da construção civil e prestadores de serviços.
Quando a audiência propriamente dita iniciou, duas horas depois, o ginásio foi dado como lotado (embora restassem muitos lugares) e as pessoas que chegavam só podia entrar à medida que outros saíssem.
A diretora–presidente da Fepam, Ana Pellini, ressaltou a qualidade da equipe técnica do órgão ambiental. Foram 12 técnicos escalados para avaliar o EIA-Rima, sob a coordenação do engenheiro químico Renato das Chagas, chefe da Divisão de Controle da Poluição Industrial e que incluiu até mesmo uma visita técnica dos gaúchos à fábrica da Veracel na Bahia à convite da Aracruz, uma das sócias do empreendimento baiano.
O engenheiro explicou que a audiência pública atendia exigência da legislação ambiental e que era a oportunidade para a comunidade expor seus questionamentos e suas dúvidas em relação ao projeto. O coordenador do EIA-Rima, Nei Lima, da consultoria EcoÁguas, apresentou o documento salientando a redução da taxa de químicos dos atuais 35 quilos por tonelada para 25 quilos por tonelada. Lima disse que a empresa buscou o máximo de eficiência no uso da água, de insumos e de energia, obtendo com isso uma "redução significativa" do impacto ambiental.
A planta mostra a construção de nova linha de produção, caldeira de recuperação, estação de tratamento de efluentes (ETE), estação de tratamento de água (ETA), forno de cal, caldeira e biomassa, além da ampliação da central de tratamento de resíduos. Segundo o técnico, a nova fábrica também terá menos ruído porque o processo será enclausurado.
Sobre compensações ambientais, a consultora jurídica da Aracruz, Lisete Nogueira, adiantou que parte do montante de recursos previstos para esta finalidade poderá ser destinada ao Morro da Hidráulica, mais conhecido como Morro José Lutzenberger, uma Unidade de Conservação em Guaíba. "A Fepam pediu que a Aracruz sugerisse a UC como destino desses recursos e a empresa aceitou a sugestão. O valor será decidido em conjunto com a Fepam", completou.
Em seguida, a equipe da Aracruz fez uma exposição dos diversos aspectos do empreendimento, dando ênfase ao avanço tecnológico observado em todas as etapas, com o objetivo de minimizar os impactos no meio ambiente e na comunidade. Seguiram-se pessoas da comunidade previamente inscritas, mais de 40 com direito a três minutos cada, mas em vez de perguntas e críticas, foi mais uma bateria de elogios e perguntas interessadas aos representantes da empresa, especialmente sobre geração de emprego. Alguns chegaram a ponto de sugerir à Aracruz que investisse em segurança pública e no aumento do efetivo da Polícia Rodoviária Federal.
Os técnicos da Fepam, praticamente não foram acionados. Quando apareceram as primeiras críticas e as primeiras dúvidas levantadas pelos representantes da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e outras ONGs ambientalistas, já era quase meia- noite e o Coelhão não tinha mais do que 50 pessoas, que vaiavam os ambientalistas, que leram e protocolaram um extenso documento com críticas e questionamentos ao EIA-Rima.
A Aracruz hoje emprega mil trabalhadores, vai oferecer mais 250 novos empregos na área industrial. Os terceirizados, que hoje são 7 mil, vão passar para 13 mil. As obras civis de instalação da nova unidade vão absorver 5.500 trabalhadores temporários ao longo dos dois anos. A base florestal que a empresa está ampliando para alimentar a fábrica se estende por 30 municípios da região. No total, incluindo a implantação de florestas, a logística de transporte da madeira e da celulose e a implantação da nova linha industrial, o projeto da Aracruz pode chegar a um investimento de US$ 2,5 bilhões, segundo seus diretores.
"A Noruega é aqui"
O prefeito de Guaíba, Manuel Stringhini, era um dos mais entusiasmados com os investimentos da empresa no município. Por diversas vezes, elogiou a direção da Aracruz na condução do EIA-Rima, sempre destacando a "importância econômica do projeto para o município".
O político reiterou que esteve por diversas vezes na Noruega, origem das maiores fábricas de celulose do mundo e comparou os padrões de qualidade de vida dos países nórdicos com o que Guaíba pode se transformar. "Temos que apresentar essas riquezas, essas coisas precisam ser ditas", justificando os elogios à Aracruz. Como se tudo não bastasse, ao final, Stringhini apelou: "Não vamos botar no banco dos réus uma árvore fantástica como o eucalipto".
O jornalista Leandro André, editor da Gazeta Centro-Sul de Guaíba, afirmou que, quando a empresa apresentou o projeto de ampliação, foi buscar informações a respeito dos possíveis impactos ambientais no município. Ele conta que não encontrou nada que comprometa o meio ambiente. "Tomei conhecimento das tecnologias que serão empregadas e acho que será bom para a cidade", disse. André salientou também que "o pessoal contrário é muito passional e que a invasão do viveiro [da Aracruz em 2006 pela Via Campesina] foi muito prejudicial".
Paulino de Oliveira e Antonio Rosa, ambos já aposentados, engrossavam a fileira dos pró-Aracruz. Vieram em um ônibus com mais 40 pessoas, todas do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Nova Santa Rita, município de 13 mil habitantes da Região Metropolitana de Porto Alegre, próximo à Canoas. "Estamos aqui para defender a geração de empregos para toda a região", disseram.
Já o representante da Farsul, Ivo Lessa, entende que não há problema algum para o meio ambiente e que as empresas [Stora Enso e VCP incluídas] deveriam retomar o diálogo com os opositores do grande projeto de Silvicultura que se avizinha no Estado. Lessa mostrou preocupação com a possibilidade de as lavouras de arroz serem prejudicadas pela qualidade da água do Lago Guaíba. Nei Lima, rebateu afirmando que a expansão da fábrica permitirá uma redução do uso da água. "Não há indicação que exista qualquer alteração no que foi estabelecido pelo Comitê do Lago", concluiu.
Para Reginaldo Lacerda, da Associação de Meio Ambiente de Guaíba (AMA), o projeto da empresa é inevitável e que resta agora, exigir o máximo de compensação possível. "Além do Morro Lutzenberger, devemos cobrar o passivo histórico que a empresa tem com o município".
O documento protocolado pela Agapan afirma que a ampliação da unidade representa uma conseqüência lamentável da expansão da Silvicultura no Rio Grande do Sul. Segundo a análise realizada por cinco professores de universidades gaúchas, entre eles, o geneticista Flávio Lewgoy, o EIA-Rima apresenta muitas falhas, justificando as preocupações dos ambientalistas, como a alteração do comportamento da fauna terrestre devido á emissão de ruído na fase de operação, alteração ou morte de organismos aquáticos do Guaíba decorrente do aumento de carga diária de DBO, DQO, SST e AOX com a entrada em operação da Linha 2, entre outras.
"São impactos reais e não em potencial como afirmam os técnicos da Aracruz", declara a presidente da Agapan, Edi Xavier Fonseca. A ambientalista ressalta que o próprio EIA-Rima informa que o impacto tem caráter negativo e de magnitude alta. "É uma grande imprudência licenciar um projeto de alto potencial poluidor contando apenas com a conscientização do trabalhador para eliminar o impacto de possíveis acidentes como o EIA indica", lamenta Edi.
O estudo, assinado por sete ONGs que integram o Comitê da Bacia Hidrográfica do Lago Guaíba, traz, entre outras recomendações, um estudo detalhado em conjunto dos impactos dos dois empreendimentos previstos para a Bacia da Laguna dos Patos (Aracruz e VCP). O documento que pode ser acessado na íntegra no site da Agapan (www.agapan.org.br), ainda questiona porque não foram apresentadas as emissões sobre o lançamento da caldeira a carvão, principalmente em relação aos elementos voláteis como mercúrio, selênio e outros, e por que a empresa não utiliza o ciclo fechado para o tratamento de efluentes, já que esta tecnologia existe.
Segundo os ambientalistas, há estudos que indicam que q tecnologia de branqueamento com oxigênio seria um caminho possível para chegarmos às fábricas “efluente zero”. O EIA-Rima, no entanto, traz um documento anexado no qual afirma que esta tecnologia de circuito fechado é “inviável”. Edi lembra que esta discussão vem desde a década de 90 quando a própria Fepam já havia condicionado o licenciamento para duplicação à adoção de tecnologia que eliminasse totalmente o cloro do processo industrial em 15 anos, após a ampliação, garantindo “incremento zero dos compostos organoclorados nas águas do Lago Guaíba”.
“Desta forma, qual o investimento feito em pesquisa e desenvolvimento desta tecnologia por parte dos antigos donos e da atual controladora?”, questiona a ambientalista. Ela completa: “Aparentemente nada foi feito nestes 15 anos neste sentido, ou seja, a vontade da sociedade gaúcha, transmitida pela Fepam, não foi cumprida”.
(Por Carlos Matsubara e Elmar Bones, Ambiente JA, 27/10/2007)