Considerado um dos maiores pensadores do desenvolvimento sustentável no mundo, o economista polonês Ignacy Sachs é categórico na defesa da ampliação dos aspectos sociais na perspectiva do chamado desenvolvimento sustentável.
"Precisamos ser triplamente ganhadores, nos âmbitos social, ambiental e econômico", avalia Sachs, diretor do Centro de Estudos sobre o Brasil Contemporâneo na École de Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, na França. Na sua avaliação, a redução das emissões de gases do efeito estufa, considerados causadores do aquecimento global, não pode ser feita visando somente retornos econômicos: "É possível aliar projetos que reduzam carbono com projetos sociais. Não é alugando florestas que vamos resolver o problema".
O economista falou à Agência Brasil durante a primeira reunião do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês) na América Latina, que reuniu membros do painel e ambientalistas no Rio de Janeiro nas últimas quinta e sexta-feira (25 e 26/10).
Agência Brasil: Desenvolvimento sustentável é só uma questão ambiental?
Ignacy Sachs: Não. Eu prefiro falar de um desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável e, ainda, economicamente sustentado. Como um tripé: aspectos ambientais, sociais e econômicos.
ABr: Falta valorizar a parte social nesse tripé?
Sachs: Não que esteja faltando. Mas existe o perigo do lado ambiental ser dissociado do lado social porque, do ponto de vista da eficiência energética, da emissão de gases do efeito estufa, podemos ter os mesmos efeitos para modelos sociais totalmente diferentes. Para mim esse modelo social não é indiferente. Vamos recolocar no debate não só os impactos ambientais, mas os contextos sociais nos quais o desenvolvimento deve acontecer.
ABr: Está em curso uma mudança de paradigmas na discussão de desenvolvimento sustentável?
Sachs: O ponto de partida é que se considera – por razões erradas – que a única coisa que realmente vale é o crescimento econômico e o resto segue. A tomada de consciência ecológica serviu para mostrar que as coisas não eram assim, que o econômico não pode ser discutido abstraído dos impactos ambientais, porque podemos ter um crescimento predatório, comprometer o futuro etc. Portanto, o debate ambiental serviu para mostrar os limites do economicismo.
Do outro lado, simetricamente, estão os impactos sociais. Quando a gente coloca a problemática social, outra vez mostra os limites do economicismo. Eu diria que – no campo das idéias – o que está acontecendo desde começo dos anos 70 é uma superação do economicismo por meio do reconhecimento da importância dos impactos ambientais e sociais.
Quando só se fala dos ambientais, eu grito: calma! Quando me encontro com grupos de sociólogos que só vêem o social, eu digo: não esqueçam o ambiental. Nós temos que reequilibrar o debate e nos dar conta do fato de que a solução verdadeira é aquela que permite avançar simultaneamente nas três dimensões: no social, no ambiental e no econômico.
ABr: A quem cabe executar ações para alcançar esse equilíbrio?
Sachs: Cabe a todos. Temos que reconhecer o papel importante do Estado desenvolvimentista, mas devemos, ao mesmo tempo, procurar que o processo de desenvolvimento seja negociado e pactuado entre todos os protagonistas, ou seja, é uma negociação quadripartite: Estado, empresários, trabalhadores e sociedade civil organizada.
Optar entre soja e dendê para biodiesel faz diferença "colossal", alerta Sachs No segundo trecho da entrevista à Agência Brasil, o economista Ignacy Sachs defende que no Brasil, como nos outros países, o crescimento econômico tem de ser aliado da sustentabilidade social e ambiental.
Sachs se afirma favorável à produção dos biocombustíveis a partir da agricultura familiar e avalia que há “diferenças colossais” entre o modelo que opte pelo dendê e o que se baseie na soja, por exemplo. Para ele, o Estado precisa definir critérios e políticas que empurrem a atividade no rumo “virtuoso” e não no “perverso”.
Agência Brasil: Em países em desenvolvimento, como o Brasil, o crescimento econômico pode ser aliado de medidas socialmente sustentáveis?
Ignacy Sachs: Tem que ser. Não é possível continuar crescendo aqui de maneira a marginalizar ainda mais os agricultores familiares, por exemplo. Nós temos que nos dar conta que há dois grandes desafios a enfrentar: as mudanças climáticas e o déficit crônico de oportunidades de trabalho recente. E não podemos nos dar o luxo de sacrificar um no altar do outro.
ABr: Como enfrentar esses desafios no caso brasileiro?
Sachs: Por exemplo, sou muito favorável à produção dos biocombustíveis a partir da agricultura familiar, mas não posso perder de vista o fato de que é bem possível que isso caminhe pelo caminho oposto, via produção a partir da soja, e não de dendê, por exemplo. As diferenças sociais seriam colossais. Portanto, no momento de definir planos, de tomar decisões, cabe ao Estado definir critérios e adequar instrumentos de políticas públicas que empurrem a coisa no caminho virtuoso em vez de deixar que se façam no caminho perverso.
ABr: Como o governo brasileiro está se saindo nesse contexto?
Sachs: A posição do governo me parece positiva, mas é preciso botar o bloco na rua. A mensagem é essa: já que se quer realmente caminhar no bom caminho, é preciso não perder tempo demais, porque os outros, aqueles que preferem o caminho perverso, estão atrás de uma oportunidade econômica enorme. O problema vai se definir nos próximos anos.
ABr: O empresariado vem demonstrando um empenho cada vez maior no desenvolvimento sustentável. Há outros tipos de interesse por trás?
Sachs: Primeiro, há uma certa distância entre o discurso e a realidade. Segundo, empresas que pensam em longo prazo deveriam considerar seriamente tanto a dimensão ambiental quanto social porque o seu negócio pode, da noite para o dia, periclitar [estar em perigo] tanto por uma quanto por outra causa.
Para as empresas que dependem, por exemplo, de abastecimento de madeira, a existência de um poderoso movimento dos sem-terra não pode não mudar a maneira de pensar deles; e não é por acaso que, quase todas as companhias de papel e celulose no Brasil estão hoje se abrindo à idéia de contratos de fomento aos pequenos agricultores familiares. Mesmo que não seja mais barato, a questão é ponderar os riscos de uma exclusão social, por exemplo. Portanto, uma empresa que quer trabalhar no longo prazo tem que cuidar de evitar riscos ambientais e sociais que podem comprometer seu trabalho. Há um raciocínio de compromissos.
Fora isso, pode haver certo compromisso com o futuro do país, com o futuro da nação; não vamos simplificar os problemas tratando as empresas como "feras". É óbvio que no Brasil a gente tem que abrir a discussão com as empresas e testar até onde elas estão dispostas a ir na boa direção. É preciso utilizar as três ferramentas: incentivos fiscais, medidas administrativas e o diálogo.
ABr: É possível falar em perspectivas para concretização dessa proposta de desenvolvimento que contemple as três dimensões – social, ambiental e econômica?
Sachs: Em alguns lugares, em alguns momentos, isso já está acontecendo; não é uma visão puramente abstrata. Não dá para ter esse nível de generalidade e dizer: acontece ou não acontece. São diretrizes a partir das quais a gente deve analisar situações concretas e quase sempre se chega à conclusão que não existe preto nem branco, existem inúmeras quantidade de matizes cinzentas. Essa é a realidade.
(Por Luana Lourenço,
Agência Brasil, 28/10/2007)