Não há consenso sobre os riscos para a produção de alimentos no Brasil com o avanço do biocombustível, indicam entrevistas feitas pela Agência Brasil. Relatórios recentes do Banco Mundial (Bird) e da Organização das Nações Unidas (ONU) trazem alerta aos países em torno da questão.
Para o ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, o Brasil está livre de problemas alimentares e ambientais que possam ser provocados pelo crescimento da produção do setor. “O país, hoje, produz cana em 6 milhões de hectares de terras. Para os outros produtos, ainda restam mais de 300 milhões de hectares agricultáveis, sem tocar em um palmo de floresta”, disse. Rezende calcula que até 2015 a cana deve ocupar 20 milhões de hectares, o que seria suficiente para o Brasil atender a 10% da demanda mundial de etanol.
Segundo o ministro, o que ocorre no país é um esforço pelo melhor aproveitamento de pastagens e terras subutilizadas com culturas voltadas ao biocombustível. “O Brasil já foi citado na imprensa internacional como modelo na produção destes combustíveis, por incrementar a atividade sem comprometer a produção de alimentos”, argumenta Rezende, referindo-se a reportagem da revista National Geographic neste mês.
A avaliação do ministro não é compartilhada pelo pesquisador Edélcio Zigna, coordenador do grupo de trabalho de agricultura da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip). Estudos da entidade falam em falta de pesquisas mais amplas de impacto e mapeamento considerando as variáveis sociais, agrícolas e ecológicas, para delimitar claramente áreas onde os efeitos da monocultura da cana, do milho e de óleos vegetais seriam minorados.
“O biocombustível está agravando a concentração de renda no Brasil. O produtor de matéria-prima é apenas um elo a mais numa cadeia enorme, dominada por grupos transnacionais que substituem mão de obra por culturas mecanizadas”, criticou Zigna.
O especialista da Rebrip avalia, entretanto, como um exagero a tese de que a atividade alcooleira vai agravar a fome mundial. Segundo ele, o problema é provocado mais por dificuldade de acesso que por insuficiência na quantidade. Mas Zigna aponta possíveis prejuízos nutritivos com a alta de preço dos alimentos: “A população pobre urbana é que pode ser mais prejudicada. Se hoje ela já come mal, deve ficar pior. Os restaurantes populares e cestas básica estão longe de atingir 60% dos brasileiros que vivem em situação de miséria.”
Já para a consultora da Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos (Abrandh) Valéria Burity, “a expansão desordenada da produção canavieira pode provocar aumento de preço dos alimentos e causar riscos à segurança alimentar”.
Uma pesquisa desenvolvida pela Rebrip ao longo do ano de 2007, em parceria com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e a Universidade Federal de Santa Catarina sobre a influência dos biocombustíveis na agricultura, está sendo concluída e deve ser divulgada no próximo mês. A idéia da entidade é levar o estudo a debates nas Comissões de Meio Ambiente e Agricultura do Congresso Nacional.
A Rebrip, informou Edélcio Zigna, é favorável à proposta de moratória apresentada na Assembléia Geral da ONU, no sentido de se frear temporariamente a expansão mundial dos biocombustíveis.
(Por Marco Antônio Soalheiro e Hugo Costa, Agência Brasil, 28/10/2007)