A revista Veja desta semana (ed.2031, de 24/10/07) dá sua capa para o suposto “triunfo” das idéias ambientalistas pela salvação do planeta. E a própria capa dá pistas sobre o tom da matéria: num cenário de cores apagadas, emoldurando a foto de uma jovem com expressão vazia, vemos a menção aos “poucos (e honestos) cientistas céticos”. Na matéria em si, revemos a moça de expressão vazia (será essa a cara de um neo-ecochato?) e mais uma destacada referência aos cientistas céticos, apresentados como “aqueles que desconfiam das previsões catastrofistas”.
A seguir, num quadro de quase duas páginas, a voz soberana da revista ergue-se para pôr fim à polêmica que divide centenas de cientistas: a Veja julga “quem está certo” e arbitra um placar de 4 a 3 em favor dos “céticos”, contra o IPCC**. Entende-se que certos estão os que “acham que sobre os efeitos do aquecimento global não existem dados suficientes para afirmar que serão catastróficos a ponto de pôr em perigo a vida humana na Terra”. Os quadros nos rodapés reforçam todo cenário.
Para os muitos que lêem só essa parte mais vistosa, fica a mensagem de que os ambientalistas estariam ganhando corações e mentes, surfando uma tsunami de alarmismo criada por eles mesmos e endossada por um tal IPCC, de credibilidade duvidosa. Sem questionar as motivações da revista (entre outras pérolas, a matéria diz que “com a queda do Muro de Berlim, os órfãos do marxismo viram na defesa do ambiente uma forma de desafiar o capitalismo”) não há dúvida de que ela planta a dúvida e tende a arrefecer a atual escalada de preocupações, focada no aquecimento global.
Mas, contradizendo essa primeira impressão, os próprios dados e depoimentos da matéria revelam que SIM, A CRISE SOCIOAMBIENTAL É URGENTE. As polêmicas retratadas giram basicamente em torno de aspectos metodológicos e da escolha dos focos prioritários para ação, face à reversibilidade, ou não, do atual quadro. Todos dizem que precisamos mudar muito, e muito rápido. Atestam que apenas neutralizar emissões de carbono é pouco. Concordam que precisamos de uma revolução tecnológica e comportamental sem precedentes. Mas só vê isso quem lê atentamente a matéria.
Ao editar de forma tão desastrada assunto de tamanha importância, Veja presta um desserviço aos brasileiros e ao mundo. Combater angústias paralisantes e oferecer visões alternativas é bom e necessário. Mostrar que existem soluções possíveis e que devemos nos preocupar em identificar e implementar sem vacilação as mais promissoras é um passo para um futuro melhor. Mas propositalmente embrulhar tudo isso num pacote desmobilizador e achincalhar um dos mais meritórios avanços das últimas décadas seria um crime. Tomara seja só incompetência.
(Por Aron Belinky*,
Envolverde, 25/10/2007)
* Aron Belinky é consultor em Responsabilidade Social e Sustentabilidade e militante em causas socioambientais
** Sigla em inglês do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática da Organização das Nações Unidas