O jornalismo ambiental necessita de maior capacitação para enfrentar desafios urgentes, como as questões impostas pelo aquecimento global. Além disso, o tema é político e econômico e deve ser tratado desta forma pelos representantes das sociedades nacionais e mundiais, e não apenas por especialistas. A informação deve ser diária e precisa estar nas páginas de todos os jornais e revistas. E não apenas em seções específicas, como a de Ciências. A cobertura deve ser sistêmica, para tentar mostrar às pessoas quais as conseqüências do aquecimento global para o seu dia-a-dia.
Esses são alguns dos pontos que permanecem na preocupação dos profissionais, após a realização do 2º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, realizado no complexo do Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, de 10 a 12 de outubro.
Realizado pelo Núcleo de Ecojornalistas do RS (NEJ-RS), em conjunto com a EcoAgência de Notícias, o encontro aconteceu debaixo de chuva fina e incessante, com o tema: Aquecimento Global, um desafio para a Mídia. O público nos três dias foi de 500 participantes, com a presença de jornalistas e pesquisadores de 17 Estados brasileiros, mais convidados da Inglaterra, México, Panamá, Cuba e Uruguai, e grande número de estudantes.
"Estamos preocupados com a questão do aquecimento global e nos inserimos em uma preocupação que é de toda a sociedade. Na condição de formadores de opinião temos de usar nossa força para tentar mudar esse cenário”, disse Juarez Tosi, coordenador do NEJ-RS.
Um dos participantes, o jornalista uruguaio Hernán Sorhuet, do jornal El País, de Montevidéu, disse que a mídia está convocada, agora, a cumprir um papel chave na democratização da informação, e tem diante de si três etapas, como aquecimento global. A da perspectiva (os cenários do futuro). A da vulnerabilidade (a quem afetarão os eventos extremos que possam acontecer, quais as áreas mais sensíveis e quais os efeitos sobre a saúde). A da mitigação (as medidas para amenizar os danos e efeitos negativos). E a etapa da adaptação (as medidas para estar preparado e a prevenção dos danos). Neste contexto, o jornalismo ambiental e científico têm muito trabalho pela frente.
“Dos debates e comentários do congresso brasileiro, surgiu de novo a questão da capacitação dos jornalistas e dos comunicadores como parte essencial do processo transformador que deve acontecer na sociedade , para enfrentar com maturidade os grandes desafios impostos pela crise social e ecológica que vivemos, em escala global, regional e local. Neste sentido, preocupa muito a notória ausência de cursos de capacitação em jornalismo ambiental e científico nas universidades e escolas de Jornalismo na América Latina”, conclui Sorhuet.
Cientistas contra o catastrofismoEm um dos painéis do congresso, sobre o tema específico das mudanças climáticas, os cientistas presentes condenaram o que consideram catastrofismo da mídia e fizeram análise crítica sobre a cobertura de jornais, revistas e da televisão. José Marengo Orsini, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, e o glaciólogo Jefferson Cardia Simões, do Instituto de Geociências da UFRGS, condenaram o clima de “Apocalipse Já” de órgãos como as revistas “Veja” e “Época”, com notícias sensacionalistas que estariam bem longe da realidade. No caso da Antártida, por exemplo, o degelo levará centenas de anos.
Para os cientistas, há evidente exagero na cobertura, além de uma falta de compreensão por parte dos comunicadores das definições e de conceitos técnicos, levando a informações contraditórias sobre três fenômenos distintos: o aquecimento global, as mudanças climáticas e a camada de ozônio, por exemplo. Para eles, falta o debate sobre o efeito do desmatamento da Amazônia – que já coloca o Brasil entre os maiores poluidores do mundo. E também faltam mais figuras nacionais para discutir as mudanças climáticas.. De fato, os jornalistas concordam que dependem, e muito, dos noticiários fornecidos pelas agências internacionais de notícias para divulgar as questões ambientais.
O jornalista Eduardo Geraque, do caderno de Ciências da Folha de S. Paulo, comparou a cobertura ambiental da mídia paulista e da Cidade do México. Naquele país, as discussões ambientais estão mais presentes. Quando há uma eleição no México, por exemplo, questionam-se as políticas ambientais a serem adotadas pelos candidatos. Já no Brasil, disse Geraque, não existe ninguém pensando a questão ambiental nos nossos jornais, enquanto no México há repórteres e editores dedicados exclusivamente ao ambiente. “Os jornalistas são incentivados a escrever sobre o tema para as demais editorias. E há uma cobrança por parte do leitor mexicano em favor da publicação dessas matérias, ao contrário dos grandes jornais brasileiros”, acrescentou.
O Nobel da Paz e as coincidênciasNo dia de encerramento do congresso de Porto Alegre, foi definido que Cuiabá será a sede do próximo evento, a ser realizado em 2009 na capital de Mato Grosso. E uma feliz coincidência também marcou aquela Sexta-feira, 12 de Outubro: enquanto os jornalistas iniciavam os trabalhos finais de seu encontro, o Prêmio Nobel da Paz era atribuído, em Oslo, ao IPCC, o órgão das Nações Unidas para as mudanças climáticas, e ao ambientalista norte-americano Albert (Al) Gore.
Esta premiação foi bem recebida pelos jornalistas brasileiros presentes ao evento e, para eles, marca a relação – até aqui quase escondida – entre o aquecimento global e o risco de novos conflitos armados no mundo. De fato, as mudanças climáticas podem desencadear migrações em massa e criar uma competição feroz pelos recursos do Planeta, disse, em Oslo, o presidente do Comitê Nobel, Ole Danbolt.
Alguns jornalistas comentaram : em algumas regiões da África, como o Sahel, já estão acontecendo as temidas guerras climáticas na disputa pelas escassas terras férteis na faixa entre o Saara e os solos produtivos do sul daquele continente. As guerras pela água também já acontecem em várias partes do mundo, lembraram outros profissionais da mídia.
E, coincidência final: no próximo dia 10 de dezembro de 2007, quando o presidente do IPCC e Al Gore estiverem recebendo na Noruega o Prêmio Nobel da Paz, estará sendo realizada em Báli, Indonésia, a histórica Conferência das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas. Os relatórios do IPCC deste ano, sem dúvida, tiveram o mérito de levar a discussão sobre os temas ambientais para fora dos círculos acadêmicos, para ampliar a necessidade de enfrentar esses desafios urgentes. De plano, os jornalistas ambientais e científicos devem contribuir, ainda mais, para a exposição clara e acurada dessas questões para o grande público.
É uma tarefa urgente, da qual ninguém poderá se isentar. É a grande tarefa deste século 21. Esses terríveis incêndios desta semana, lá na Califórnia (EUA), são um exemplo bem claro desse contexto global. Mãos à obra, portanto. Não há tempo a perder.
(Por Renato Gianuca*,
Eco Agência, 25/10/2007)
* O autor é jornalista, membro da da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul