Um impasse deixa pelo menos 650 famílias sob risco às margens da BR-290, em Porto Alegre, e mantém uma ameaça a um tesouro ecológico gaúcho. Mesmo com negociações que se arrastam há mais uma década, moradores, concessionária Concepa, prefeitura e Estado ainda não chegaram a uma solução para assegurar a remoção dos casebres da beira da rodovia federal, que corta o Delta do Jacuí.

Com ligações clandestinas de energia elétrica e abastecimento de água com carros-pipa, eles vivem em habitações que costumam ter o chão batido como piso. É o caso da catadora Teresinha Soares Lopes, 40 anos. Ela divide a casa de três peças com o marido, quatro crianças - e os ratos, que insistem em invadir a morada.

- É ruim morar aqui, mas não tínhamos outro lugar para ir - afirma a mulher.

Sem um centro de triagem apropriado, os catadores fazem a seleção do que é reciclável no próprio pátio das moradias. Com freqüência, o material sem valor comercial permanece no local à espera do recolhimento pela prefeitura ou das chuva, que acaba levando o que sobra aos rios.

A recicladora Nariete Fogaça Aristimunha, 29 anos, garimpa no lixo uma renda média mensal de R$ 200, mas nega o descuido com as sobras. A preocupação principal de Nariete são os carros. Como se instalou sob uma ponte com o marido e um filho de nove anos, ela teme pela segurança.

- Tenho plano de sair daqui, porque a qualquer hora um carro pode cair em cima da gente - conta.

O diretor-presidente da concessionária Concepa, Odenir José Sanches, responsável pelo trecho da BR-290, afirma que a proximidade das casas com a rodovia diminui a área de escape para uma eventual emergência.

A Concepa e Ministério Público ingressaram com ações judiciais para cobrar uma solução da prefeitura e do governo do Estado, o guardião da área ambiental. A administração municipal já assumiu o compromisso de liderar as remoções, mas cobra do Palácio Piratini a sugestão de terrenos na própria área ecológica, porque os moradores se recusam a sair. O Estado só poderá atender o pedido depois da criação de um conselho, instituído em uma lei de novembro de 2005, para aprovar as regras de uso das áreas de proteção ambiental do Delta do Jacuí.

Contrapontos
O que diz Nelcir Tessaro, diretor-geral do Departamento Municipal de Habitação
"A solução do problema é uma das nossas prioridades para 2008. Já oferecemos uma área na Zona Sul, mas os moradores não aceitaram porque, nas ilhas, eles também podem pescar e por considerarem o local longe do Centro. Estamos trabalhando para o reassentamento, mas precisamos escolher com o Estado as áreas."
O que diz Luiz Alberto Mendonça, diretor do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas
"Já temos uma proposta de manejo da área pronta. Estamos aguardando as respostas das entidades para formar o conselho. Por ser uma unidade de conservação, precisamos de uma solução baseada na sustentabilidade, que preserve o interesse das pessoas e do ambiente."
O que diz Odenir José Sanches, diretor-presidente da Concepa
"Mantemos uma fiscalização permanente para evitar novas moradias, tanto que já conseguimos evitar uma série de casos. Também nos dispusemos a ajudar a transferi-las no que for possível, mas não podemos fazer a remoção, porque não é de nossa responsabilidade."

(Zero Hora, 25/10/2007)