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cvrd mst
2007-10-25
Uma equipe de jornalistas da CCS esteve no assentamento de Palmares II, do Movimento de Trabalhadores Sem-Terra (MST), onde um novo acampamento foi montado no último dia 17, quando a estrada de ferro de Carajás foi interditada.

Pela primeira vez uma equipe de jornalismo ouviu a versão do MST a respeito da manifestação.  De acordo com o membro da coordenação estadual do MST, Ulisses Manacás, ouvido pela Agência Pará dentro do assentamento Palmares II, o movimento interditou a estrada de ferro como uma reação, ao que chamou de intransigência, da Companhia Vale do Rio Doce.  Segundo ele, o MST decidiu em encontro fazer uma série de manifestações pedindo apoio ao desenvolvimento da região, a partir também do assentamento e acampamentos do grupo.  “Estávamos programando uma passeata pela cidade de Parauapebas no dia 17, quando a Vale ‘plantou’ uma notícia de que estaríamos bloqueando a estrada de ferro com 30 pessoas, o que é absurdo”, disse ele.

Ulisses afirmou que devido ao descaso da Vale para com os movimentos sociais e em reação a divulgação da suposta falsa notícia, o MST decidiu realmente bloquear a estrada de ferro, afim de provocar o diálogo com a empresa.  “A Vale do Rio Doce tem um histórico desde sua privatização de descaso com a sociedade paraense.  A empresa divulga que investe mais de 1,4 bilhões de reais no desenvolvimento do Estado, mas a população dos municípios vizinhos à Serra dos Carajás não vêem o resultado desse investimento.  Nossas reivindicações para a Vale passam pela pauta de investimentos econômicos e sociais que foram prometidos a toda a região e não somente aos assentamentos”, disse ele.

Segundo Ulisses, o MST percebe insatisfação na sociedade paraense em relação à privatização e ao comportamento da Vale e decidiu, então, abrir campanha contra a empresa para defender os interesses da comunidade.  “Nosso povo está ficando mais consciente politicamente e sabe que as coisas não podem ser assim.  Sabemos da limitação do movimento mas sabemos também da nossa força e da possibilidade de provocar a polêmica em relação a isso.  O que nós queremos é discutir um novo modelo de desenvolvimento, não só para o Pará, mas para toda a Amazônia.  Queremos abrir esse debate com a sociedade.  E a Vale não pode se negar a esse diálogo”.

Negociação
O coordenador do assentamento Palmares II, Jorge Néri, disse que o Movimento tem sua pauta de reforma agrária voltada principalmente para os governos Federal e Estadual, mas que conseguiram estabelecer o diálogo com os mesmos.  “Queremos crédito, assistência técnica, a criação de uma escola técnica agrícola e renegociação das nossas dívidas.  Mas, ao menos, conseguimos estabelecer um diálogo com os governos.  Diferentemente do que ocorre com a Vale, que se recusa a negociar com os movimentos sociais”, afirmou.

No próximo dia 24, o MST apresenta uma pauta definitiva ao Governo Estadual, em audiência com a governadora Ana Júlia Carepa.  No dia 25, a coordenação do Movimento vai a Brasília discutir a pauta com o Ministério da Reforma Agrária.  Até lá os sem-terra vão continuar acampado às margens da ferrovia de Carajás.  “Nosso limite de negociação com o governo federal e com o governo estadual é até o dia 25, mas nosso diálogo com a Vale do Rio Doce ainda está só começando”, disse Jorge Néri.

A desocupação da estrada de ferro ocorreu 24 horas depois da ocupação e foi mediada pela polícia federal e pelo comitê gestor de crise, coordenado pelo diretor da Segup, Eduardo Siso.  Ele esteve em Parauapebas negociando a desocupação e marcou as audiências de negociação dos dias 24 e 25.  “A negociação com os movimentos sociais mostra um novo paradigma do Governo Estadual, que é justamente estabelecer o diálogo e evitar o conflito”, disse Siso.

Assentamento sofre “problemas urbanos”
O assentamento Palmares II tem 13 anos e fica localizado a cerca de 20 quilômetros do centro de Parauapebas.  Na área de 15 mil hectares, vizinha à estrada de ferro que transporta milhares de toneladas de minério de ferro para o porto de Itaqui no Maranhão, vivem hoje 5.600 pessoas.

Graças ao apoio recente da prefeitura, há alguma infra-estrutura: estão asfaltando as ruas cobertas de poeira, uma praça está em construção, e existem projetos de saneamento e até uma rádio comunitária.

Mas os projetos de desenvolvimento agrícola, a base da economia dos assentados, não vingou.  Falta assistência técnica, recursos e qualificação.  Quem não trabalha na roça vive de bicos ou do trabalho no movimento, ou é empregado da prefeitura.  Assim como toda a área do sul do Pará, o lugar é um centro de atração populacional, graças também ao projeto de extração mineral.  O que antes era um projeto para 517 famílias cadastradas, hoje, está inchado.

Jorge Néri, 41, o coordenador do assentamento, diz que as distorções urbanas são cada vez mais freqüentes.  Algumas famílias venderam os lotes e outras chegaram para ocupar o local.  “Segundo o geógrafo Milton Santos, a urbanização é inevitável.  Mas nós queremos propor um novo modelo de desenvolvimento para a região.  Não apenas com a agricultura, mas como um modelo que seja justo e dê condições à população.  Nós temos cada vez mais consciência política e sabemos que somos, não só paraenses mas brasileiros, que têm direito a usufruir da riqueza da Amazônia”, diz ele.

Segundo ele, o Pará não pode mais ver passar diante de seus olhos um novo ciclo econômico que exporta riquezas e não beneficia seu próprio povo.

Sem-Terra diz que “luta é justa”
Para Francilene da Costa Moreira, 37, uma das ocupantes do acampamento às margens da estrada por onde passaram centenas de vagões carregados de minério de ferro todo dia, a luta do MST é justa.  “Não há quem não se engaje à luta depois de conhecer o movimento.  O que nós queremos é um local para viver e ter condições de uma vida digna”, diz.

Francilene é maranhense de Imperatriz e chegou ao Pará com pouco mais de um ano de idade.  O pai era agricultor e foi assentado pelo Incra na década de 1970, às margens da Rodovia Transamazônica.  Depois do segundo “casamento”, ela abandonou a roça e foi tentar a vida na cidade.  Em Parauapebas, viveu com os cinco filhos em um único cômodo.  “Eu pagava R$ 80 de aluguel e ganhava em média R$ 250 reais como empregada doméstica.  Não tinha como sustentar meus filhos.  Fiz de tudo mas não deu certo.  A única coisa que sei fazer de verdade é trabalhar na terra”, disse ela.

Ela afirmou que sabe que nem todos são trabalhadores rurais no acampamento e que muitos vêm para o campo fugindo da violência das cidades, mas acredita que é justo para com os colegas.  “Quem não conhece o movimento acha que é muito difícil, e não é fácil mesmo dormir em baixo da lona quente e ficar acampado.  Mas a gente conhece tanta gente, tantas histórias e isso nos dá força.  Eu só pretendo sair daqui quando a nossa luta estiver ganha”.

O acampamento fica a cerca de cinco quilômetros do assentamento de Palmares II.  Segundo o MST, há mais de 5 mil pessoas vindas de nove acampamentos dentro do estado do Pará, além de outros trabalhadores e garimpeiros de Serra Pelada – que, segundo Jorge, hoje virou uma “Etiópia”.  A vista do acampamento não parece tão grande, há cerca de 80 cabanas improvisadas onde podem caber de 12 a 20 pessoas.

Diante do acampamento, cercado por uma paisagem cinza de fumaça e mato seco, os vagões da Companhia Vale do Rio Doce continuam a circular com equipes de manutenção em movimento constantes no local.  Jorge Néri disse que a manifestação do MST ganhou adesão anônima de vários pequenos e até grandes comerciantes de Parauapebas.  A equipe da CCS constatou enquanto esteve no local a chegada de pelo menos um boi vivo, doado ao movimento.  “Já temos 25 cabeças de gado doadas para a comunidade”, disse ele.

(Por Elielton Amador, Agência Pará, 23/10/2007)


 

 
 

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