Se a nova onda da soja ameaça engolir florestas na metade ocidental do Pará, a velha frente da pecuária deverá voltar a se incrementar fortemente na metade oriental do Estado, mas também expandindo-se muito além desse limite. O Pará, que já possui o quinto maior rebanho bovino do país, com mais de 18 milhões de cabeças (uma vez e meia mais do que sua população humana), provavelmente conquistará posições nos próximos anos. Significa que provavelmente fracassarão as primeiras tentativas em curso de implantar a exploração racional das suas florestas. As derrubadas e queimadas de matas nativas irão sofrer ainda outra influência: a do plantio de cana-de-açúcar para a produção de biocombustiveis. A segunda maior floresta tropical do Brasil (e do mundo) pode estar condenada ao desaparecimento mais rápido do que o previsto até agora.
O interesse pela pecuária esquentou em função de dois negócios rentáveis: a expansão do beneficiamento da carne e a venda de boi em pé. Hoje o Pará conta com 14 frigoríficos registrados no SIF (Serviço de Inspeção Federal), que abatem diariamente mais de nove mil animais. Com garantia de fornecimento, já que a oferta de animais em condição de desfrute superava a demanda, a atividade registrou crescente expansão.
Mas a partir de 2005 os pecuaristas encontraram uma nova via de comercialização: a venda de boi em pé. Inicialmente, o comércio era realizado apenas com o Líbano, em pequena quantidade. Mas neste ano abriu-se o mercado venezuelano, numa escala muito ampliada. No ano passado a exportação foi de 160 mil animais, rendendo 45 milhões de dólares, 200% acima dos US$ 14 milhões do ano anterior Neste ano, mais do que dobrará. Só no primeiro semestre a receita foi de US$ 48 milhões. A venda de boi em pé, que estava em 17º lugar na pauta de exportações do Pará, pulou para o 10º lugar. Em 2008 as transações poderão chegar a 600 mil cabeças, o que representará quase um quarto da capacidade de abate anual da indústria.
Essa perspectiva acendeu o sinal de alerta dos frigoríficos. Alguns deles poderão ficar sem animal para abater no próximo ano, tendo que funcionar abaixo da capacidade instalada ou com sua rentabilidade ameaçada. Além disso, terão que pagar mais do que se acostumaram a pagar, se quiserem receber matéria prima. Imediatamente surgiram críticas e advertências.
Vendendo boi em pé, o Pará perde capital, renda e empregos, e passa a praticar um comércio desfavorável porque o comprador industrializa a carne em seu próprio país, aproveitando-se dos subprodutos, sobretudo do couro, cada vez mais valorizado. Já os pecuaristas retrucam que a indústria local remunera mal os produtores, pagando menos do que em todas as outras regiões, enquanto cobra preços maiores do consumidor final, aumentando seu lucro em detrimento dos fazendeiros e do público.
O que aumentou a atração da venda do boi em pé comparativamente ao fornecimento para os frigoríficos é o estímulo à exportação. Como se trata de produto sem transformação industrial, não incide o ICMS, que é cobrado nas operações internas. Os fazendeiros passaram a ter um ganho maior e a receber à vista. A melhoria da renda na Venezuela e a redução das compras na vizinha Colômbia abriram um mercado capaz de absorver quantidades crescentes de gado. Animais transportados de vários pontos do Estado, embarcados inicialmente em Belém, depois também no porto vizinho de Vila do Conde e agora em busca de um terminal privativo.
Com o rebanho atual e sua taxa de desfrute, a única forma de conciliar os interesses dos fazendeiros e dos frigoríficos, no momento em conflito, é a expansão das pastagens para receber novos rebanhos. Fazendeiros estão vendendo suas propriedades em outros Estados e comprando terras no Pará, em alguns locais assumindo fazendas já implantadas, mas em outras áreas de olho na mata nativa. Isto significa que haverá menos florestas no Estado e mais pecuária. Essa realidade parecia cancelada pela visão ecológica da potencialidade do Pará. Mas um dos municípios que mais parecia vocacionado à silvicultura ou o manejo florestal é o que tem o maior rebanho paraense: São Félix do Xingu. Sinal de que a irracionalidade na ocupação humana do segundo maior Estado da Amazônia e do país continuará a ser determinante.
(Por Lúcio Flávio Pinto *,
Adital, 23/10/2007)
* Jornalista