É a opção pela acumulação de capital em detrimento do bem-estar social amplo
Tensões entre expansão econômica e conservação do meio ambiente são inevitáveis. O motor dinâmico do capitalismo, a destruição criativa schumpeteriana, exige contínuo sucateamento em escala global e novos produtos sendo transformados em objeto de desejo pela propaganda, gerando imenso desperdício de matérias-primas e recursos naturais, degradação do meio ambiente e escassez de energia.
Como a saúde e as atividades da espécie humana dependem do bom funcionamento de ecossistemas que estão colapsando e de materiais que passaram a escassear, corremos um sério risco de desestabilização. Cerca de 12% de todas as espécies de aves, 23% dos mamíferos, 25% das coníferas e 32% dos anfíbios estão ameaçados de extinção e mais da metade dos ecossistemas vitais são explorados de maneira não sustentável.
Ar, água, solo e, em conseqüência, agricultura e alimentos estão contaminados por moléculas químicas inéditas suscetíveis de induzir a câncer, má-formação e esterilidade.
A era da abundância em recursos naturais terminou. O poder econômico continua garantindo que as novas tecnologias "darão um jeito". Mas, para inúmeros cientistas respeitáveis, mais alguns passos da humanidade na direção errada e o irreparável pode acontecer, tendo as gerações futuras como vítimas.
Resta saber se a sociedade tem vontade e capacidade para agir, ou seja, se o quadro é reversível ou se uma tragédia já está programada.
A questão das escolhas é crítica. Um caso clássico -sob indução da indústria automobilística- é a prioridade do transporte individual sobre o coletivo, apesar de não haver impedimento tecnológico ou financeiro para que as grandes cidades movimentem sua população de forma limpa e eficiente.
A questão é determinar quem define essas escolhas e em benefício de que grupos ou lógicas.
Joan M. Alier identifica quatro principais correntes em luta na questão ambiental: os ecologistas profundos, os ecoeficientes, os ecologistas sociais e os antiecologistas.
Os primeiros, cultivadores da vida silvestre e do amor aos bosques primários e cursos d'água, julgam imperiosas as ações que visem preservar o que sobrou da natureza original fora da influência do mercado.
Já os ecoeficientes temem os efeitos do crescimento econômico sobre áreas nativas e os impactos ambientais ou riscos à saúde decorrentes da industrialização, da urbanização e da agricultura moderna, mas crêem no desenvolvimento sustentável e na otimização da utilização dos recursos.
Suas propostas: ecoimpostos, mercados de licenças de emissões, novas tecnologias voltadas para a economia de energia e de matérias-primas e "precificação" visando um correto "metabolismo" industrial e o controle da degradação ambiental.
Finalmente, os ecologistas sociais, adeptos da justiça ambiental ou do ecologismo dos pobres, alertam para os impactos da degradação do meio ambiente sobre os excluídos e para o deslocamento geográfico das fontes de recursos e das áreas de descarte dos resíduos em direção aos países periféricos. Estados Unidos e União Européia importam grande parte do petróleo e das matérias-primas que consomem. Já a América Latina os exporta seis vezes mais do que os importa. O resultado é que as fronteiras de petróleo e gás, alumínio, cobre, eucalipto e óleo de palma, camarão, ouro e soja transgênica avançam em direção à periferia. À medida que se expande a escala da economia global, mais resíduos são gerados, os sistemas naturais são comprometidos e se vão os direitos das gerações futuras.
Já o poderoso lobby antiecologista conta com forte apoio do setor privado e de governos pressionados por metas de crescimento econômico de curto prazo.
Estamos diante da opção privilegiada pela acumulação de capital em detrimento do bem-estar social amplo. Como produzir uma mudança radical de modelo se o mercado livre é a lei e os grandes atores econômicos têm total liberdade de definir a direção dos vetores tecnológicos? Alguma chance de o próprio mercado se auto-regular? Quem poderá, em nome do futuro da sociedade, determinar restrições e direções dessa mudança?
Trata-se de uma tarefa imensa de reconversão da lógica privada de produção. Quem vai ser capaz de enfrentar essa batalha gigantesca em nome do futuro da civilização?
(Por Gilberto Dupas,
Folha de S.Paulo, 23/10/2007)