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passivos dos biocombustíveis
2007-10-23
Passada a euforia inicial do Brasil por se converter na “grande potência bioenergética”, autoridades, acadêmicos e ativistas discutem soluções para minimizar os eventuais efeitos sociais e ambientais dos chamados “combustíveis verdes”. O sintoma dessa preocupação teve reflexo na VII Conferência Latino-americana sobre Meio Ambiente e Responsabilidade Social (Ecolatina), que aconteceu na semana passada em Belo Horizonte, e que teve como tema central os efeitos da mudança climática na região.

Vários fóruns e seminários da conferência convocaram especialistas para debater desafios e oportunidades das energias renováveis, particularmente, os biocombustíveis, álcool combustível e biodiesel destilado de vegetais como cana-de-açúcar, milho, soja, girassol e rícino, entre outros. Dados apresentados pela Ecolatina mostram que a bioenergia é um mercado em rápida expansão que nos últimos anos recebeu investimentos no valor deUS$ 21 bilhões. O temor é que essa vertiginosa e crescente demanda provoque aumento no preço dos alimentos e impactos ambientais pela expansão de áreas de monocultura para os também chamados “agrocombustiveis”.

A preocupação lançada inicialmente por organizações camponesas e acadêmicas se “institucionalizou” a partir de um informe divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação em junho passado. Segundo este estudo da FAO, a crescente demanda por biocombustíveis pode aumentar este ano os gastos globais da importação de alimentos em 5%, para chegar a um valor recorde de US$ 400 bilhões. O estudo se refere especialmente ao preço dos grãos e óleos vegetais usados em grande escala na produção dos biocombustíveis, como o milho nos Estados Unidos.

O Brasil produz atualmente álcool combustível ou etanol, que é misturado à gasolina, a partir da cana-de-açúcar, e estuda aumentar sua produção de biocombustíveis, sobretudo a partir de janeiro de 2008, quando entrará em vigor uma lei que obriga a utilização de uma mistura de 2% de biodiesel nos veículos que funcionam a óleo combustível. Em termos de produção, isso representará uma demanda de aproximadamente 850 milhões de litros no primeiro ano, voluma que aumentará progressivamente até 2013, quando a mistura obrigatória passará a ser de 5% de biodiesel, disse à IPS Jorio Dauster, presidente da Ecodiesel, empresa que produz 55% desse tipo de combustível no Brasil.

Mozart Queiroz, gerente de desenvolvimento energético da Petrobras, acredita que no caso do Brasil “é possível manter o equilíbrio entre a produção de alimentos e de energia”. Ao contrário do milho utilizado nos Estados Unidos para destilar etanol, o que aumentou seu preço no Brasil a maior produção é obtida a partir da soja, grão do qual se extrai tanto a parte seca protéica destinada à alimentação humana ou animal quanto o óleo para biodiesel. “O desafio é garantir uma produção de forma sustentável”, disse à IPS o executivo da Petrobras, empresa tradicional na área de petróleo e gás que agora também aposta nos biocombustíveis.

A opinião é compartilhada por Dauster, para quem o dilema “bioenergia ou alimentos” é “falso”. Dauster argumenta que se aumentar a demanda por biocombustíveis, como no caso do obtido a partir da soja, aumentará na mesma proporção sua produção alimentar porque “não há como extrair seu óleo sem extrair sua farinha”. O empresário, que conta com seis usinas de biodiesel em todo o país e que investe no estudo de outras fontes, como rícino e pinhão, recordou que os dois principais motivos para estimular esse tipo de energia são a necessidade de substituir os combustíveis fósseis não renováveis e reduzir suas emissões nocivas de gases causadores do efeito estufa, considerados responsáveis pelo aquecimento global.

Embora eventualmente haja algum aumento do preço dos alimentos, a opção estratégica é escolher o mal menor, ressaltou Dauster. “Se diminuir a oferta de petróleo – recurso fóssil não renovável – e, portanto, seu preço, no futuro também haverá um aumento no preço dos alimentos. E se não combatermos o aquecimento global, haverá maiores secas e inundações, que prejudicarão especialmente os mais pobres”, acrescentou. Esta não é a mesma opinião de outros especialistas presentes à Ecolatina, como Roberto Smeraldi, da organização não-governamental Amigos da Terra.

Para Smeraldi, embora tanto as plantações para alimentos quanto para combustíveis possam ter efeitos sociais e ambientais “se não forem cultivadas de forma sustentável”, no caso de um aumento maciço das áreas de cultivo para biocombustíveis esses impactos podem ser ainda maiores. “Nos últimos dois anos houve um crescimento da pecuária na região amazônica de quase dois milhões de cabeças ao ano e, pela primeira vez, no Estado de São Paulo perdemos mais de meio milhão de animais” no mesmo período, disse o ativista a título de exemplo. O fenômeno é atribuído “sem dúvida” a um aumento, quase na mesma proporção de plantações de cana-de-açúcar em terras paulistas. Além disso, a crescente demanda por áreas de cultivo para esse fim “sem dúvida resulta em maior competição pela terra e aumento de seu preço”, e quando isso ocorre pode haver uma “expulsão dos camponeses mais pobres”, acrescentou Smeraldi.

Para o diretor da Amigos da Terra, no caso do Brasil o importante é que o governo promova uma verdadeira regularização agrária para dar posse segura da terra aos pequenos camponeses. “Sem segurança na propriedade poderemos ter um efeito em cadeia de deslocar diferentes atividades para terras marginais”, explicou Smeraldi. O governo já está consciente destes riscos. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse que o País “está fazendo algo que pode ser um modelo para outras nações”, que é estabelecer zonas agrícolas específicas para cultivar biocombustíveis.

“O Brasil já tem um mapa de áreas prioritárias para a preservação da biodiversidade” e existe uma norma do Ministério da Agricultura proibindo o cultivo de cana-de-açúcar na Amazônia, afirmou Marina Silva. “Trata-se de um esforço para orientar a produção de biocombustíveis. A decisão do governo é que essa produção não comprometa, em hipótese alguma, a segurança alimentar e que tenha uma base sustentável”, ressaltou a ministra. Para diversificar os biocombustíveis e evitar monoculturas com a da soja, o governo dá incentivos fiscais aos produtores de biodiesel que compram matéria-prima de pequenos agricultores, expoentes da agricultura familiar.

O segredo, segundo Dauster, é criar novas alternativas bioenergéticas para dar opções econômicas também aos pequenos produtores. A pergunta ainda sem resposta é que capacidade de oferta e competição terão esses pequenos camponeses em relação aos grandes grupos de investidores nacionais e estrangeiros que começam a atuar em grande escala no setor bioenergético brasileiro.

(Por Fabiana Frayssinet, IPS, 22/10/2007)



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