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2007-10-22
Pesquisa feita pela comunidade do Camargos, na Região Noroeste da capital mineira, mostra que 76% dos moradores têm problemas respiratórios. Ministério Público investiga indústria

Luiz Parreira do Amaral, de 62 anos, morreu em março, vítima de infecção pulmonar. A mãe dele, Nair Parreira de Andrade, de 80, vive à base de bombinhas e respiradores. Por causa da bronquite, Marlene da Silva Gomes, de 59, não consegue subir um morro. Sônia Lopes Brito de Souza, de 44, veda todas as janelas de casa antes de dormir e faz exames para controlar a leucopenia, baixa dos glóbulos brancos, típica de regiões industriais. Fora a saúde debilitada, o que esses personagens têm em comum é o lugar em que vivem.

O Bairro Camargos, na Região Noroeste de Belo Horizonte, já ganhou de seus moradores o apelido de Cubatão, em referência à cidade paulista que se tornou sinônimo de má qualidade de vida, por causa da poluição industrial. Um levantamento feito pela comunidade mostra que 76% das pessoas que moram ali têm problemas respiratórios. O assunto é alvo de investigação do Ministério Público (MP), que suspeita das emissões feitas por uma empresa especializada em queima de lixo hospitalar, com histórico de agressões ao meio ambiente.

A Serquip Tratamento de Resíduos instalou-se no Camargos em 2003. Desde então, torra, em média, seis toneladas de restos dos maiores hospitais e clínicas da capital e outras cidades. A licença de operação foi concedida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, mediante restrições que vêm sendo descumpridas. Desde o ano passado, o órgão recebe denúncias dos moradores, que relatam a emissão de fumaça preta e de odor ruim, indício de que gases tóxicos estão sendo lançados no ar, com substâncias que podem causar do mais simples resfriado a câncer, infecções, má formação de bebês e outras complicações.

A permissão do município diz que a Serquip só pode expelir vapor, sem cheiro, por sua chaminé. Desde março do ano passado, os fiscais multaram a indústria por desrespeitar essa regra três vezes. Em outra situação, lixo hospitalar foi depositado em solo permeável, o que é proibido. Mais uma autuação foi aplicada porque a câmara de combustão estava em temperatura menor que a recomendada, o que, para a secretaria, favorece a poluição.

Doenças

O caso foi relatado pelos moradores ao MP, que, na última quarta-feira, pediu, em audiência, perícia nos equipamentos que fazem a queima. Um estudo epidemiológico, para verificar as condições de saúde da população, também será requisitado à Secretaria Municipal de Saúde. No dia 30, a Câmara Municipal fará reunião para discutir o assunto.

O estudo foi feito por uma comissão formada pela comunidade, sob coordenação da analista de informação Kellen Guimarães Pereira. Foi feita uma amostra com 104 pessoas, que moram a 400 metros da Serquip. Elas responderam a questionários em junho e julho. Só um quinto não relatou problemas respiratórios, ao passo que 4% não responderam. Das que reclamaram de doenças, sintomas e outros males, 79% contaram que eles começaram a aparecer em 2003. A maioria dos casos se refere a alergias, sinusites, bronquites e resfriados, mas há relatos de câncer, enfisema pulmonar, tuberculose, sarcoma e a leucopenia.

Todos os pesquisados disseram que se sentem incomodados com as emissões, sendo que 98% percebem alterações no organismo, como sufocamento, tosse, enjôos, coceira e irritações . É o caso da aposentada Ana Martins Vilas Boas, de 54 anos, que reclama de ardume na garganta. Há um ano, o médico lhe pediu que parasse de fumar, ao ver uma radiografia dos pulmões. “Mas não convivo com fumantes e nunca pus um cigarro na boca”, conta ela, cujo marido sofre de enfisema.

O promotor Heleno Rosa Portes, responsável pelo caso, diz que os números são importantes, porque revelam a situação de incômodo da população. Mas pondera que ainda é prematuro culpar a empresa. “Não há um nexo comprovado entre os problemas e a incineração”, afirma. É que o levantamento não mostra como o quadro de saúde dos moradores evoluiu desde a chegada da indústria.

A pesquisa foi feita em época de seca, quando é mais comum o adoecimento. O Camargos é vizinho da Cidade Industrial, em Contagem, grande emissora de poluentes. Fica num vale, o que dificulta a dispersão de gases. Segundo a Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam), os ventos correm para a área, levando sujeira atmosférica.

Para o promotor, só os estudos vão elucidar o caso. A perícia será feita por uma consutoria independente e custeada pela Serquip. “Caso comprovada a poluição, vamos pedir a interdição da empresa.”  
 
(Por Fábio Fabrini, Estado de Minas, 22/10/2007)


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