Redução da pobreza, proteção da Amazônia, abastecimento hídrico e segurança alimentar foram os temas dominantes da primeira consulta latinoamericana no âmbito da Mesa Redonda Global sobre Sustentabilidade dos Biocombustíveis, que reuniu 70 participantes de onze países, semana passada em Belo Horizonte. A consulta foi organizada pelo Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (PNUMA), um dos membros da Mesa Redonda, que é secretariada pelo governo suiço.
Representantes de empresas, governos, entidades da sociedade civil, dos trabalhadores e centros acadêmicos discutiram a segunda minuta dos princípios, elaborada pelo Conselho Diretor internacional. Nos próximos meses, o debate passará a analisar critérios e indicadores, com previsão de conclusão em meados de 2008. As contribuições da consulta serão levadas à próxima reunião do Conselho Diretor, marcada para início de novembro em Lausanne, na Suiça. Mozart Queiroz, da Petrobras, substitui interinamente no Conselho Diretor Ildo Sauer, que saiu da empresa em começo de outubro. O outro membro brasileiro do Conselho é Roberto Smeraldi, de Amigos da Terra - Amazônia Brasileira.
Martina Otto, do PNUMA, e o embaixador suiço Rudolf Baerfuss explicaram que aquela de Belo Horizonte é a primeira de uma série de consultas de cunho regional - a próxima será em Shanghai em novembro - a serem seguidas por outras de tipo local.
"Plantamos a semente de um diálogo que deve crescer ao longo dos próximos meses", concluiu a secretária executiva da Mesa Redonda, Charlotte Opal. Mas Carlos Lacoste, da secretaria de meio ambiente do governo argentino, alertou: "precisamos de maior participação dos governos da região, este debate pode contribuir inclusive ao grupo criado no Mercosul para este tema, porque precisamos de padrões comuns" observou .
A mesma opinião é compartilhada por Délcio Rodrigues, do Vitae Civilis, um dos especialistas que ofereceu as bases técnicas para a reunião: "o maior desafio é o de garantir participação adequada e informada dos atores relevantes, inclusive aqui no Brasil". Na reunião, apesar da ampla participação, geraram surpresa a ausência do governo brasileiro e da principal associação dos produtores de etanol, a paulista UNICA. O setor sucroalcoleiro brasileiro foi representado apenas pela associação dos usineiros de Minas Gerais.
"O diálogo entre atores diferentes abre oportunidades importantes, por exemplo hoje conseguimos reparar a forte preocupação comum, em escala regional, sobre recursos hídricos, incluindo áreas de recarga subterrânea", afirmou Alcides Faria, representante da rede de ONGs Rios Vivos. Diferentes atores visam utilizar os critérios para finalidades específicas: governos, para estabelecer políticas de incentivos; empresas, para políticas de compra; bancos, para políticas de crédito. É o caso de Artur Yabe, do BNDES, que comenta: "Esperamos que este processo possa trazer para o banco um conjunto de indicadores, com legitimidade internacional, para implementarmos uma política de financiamento específica nesta área".
Ao mesmo tempo, foi também discutida a possibilidade de que os critérios venham a ser utilizados por algum sistema de certificação, como aquele atualmente em fase de discussão no Brasil, no âmbito da "Iniciativa Brasileira para um Sistema de Verificação da Atividade Agropecuária". "O desafio deste processo é que a sustentabilidade dos biocombustíveis está vinculada à sustentabilidade da agricultura", comenta Jens Mesa-Dishington, da federação dos produtores de óleo de palma da Colômbia.
Muito se discutiu sobre os desdobramentos da consulta nos países latinoamericanos. "É importante termos princípios globais, mas na fase de critérios e indicadores teremos de ter diferenças regionais", observa Cristina Brunet, da BP. O secretário de meio ambiente do Pará, Valmir Ortega, sinalizou que seu governo vai promover o aprofundamento da discussão em seu estado, com diferentes atores sociais e econômicos.
Diversos representantes de ONGs, como Karen Suassuna da WWF e Lúcia Ortiz do Núcleo Amigos da Terra - Brasil, insistiram na importância de ter um balanço de carbono a partir de todos os impactos indiretos da cadeia, sem se limitar apenas ao cultivo. A mesma tese é defendida também por alguns membros da comunidade empresarial, como Gunther Buck, da Unilever: "A questão chave me parece aquela de avançar em como calcular e verificar o deslocamento de outras atividades, com possíveis problemas de insegurança alimentar ou desmatamento".
(
Amazonia.org.br, 18/10/2007)