Uma das principais diferenças entre as comunidades humanas e a ecologia é o fato de a natureza ser cíclica, ao passo que as nossas comunidades são lineares. Isso quer dizer que o ecossistema tem evoluído ao longo de bilhões de anos usando e reciclando, continuamente, as mesmas moléculas de minerais, de água e de ar.
Assim, o que é resíduo para espécie pode ser alimento para outro, de modo que o ecossistema permaneça “limpo”. Dessa forma, nossos padrões de produção e de consumo precisam ser cíclicos, imitando os processos da natureza. Mas ainda há diversos pontos relevantes, tais como as questões sociais e econômicas, e para que a reciclagem de qualquer tipo de elemento deixe de ser apenas pontual, e abranja toda a sociedade, precisamos nos tornar ecologicamente alfabetizados por meio da “reciclagem de nossos conceitos”.
Isso tem de ser feito com extrema urgência, pois com o crescimento exacerbado populacional, a natureza não consegue absorver todo o resíduo gerado. E esse crescimento preocupa ainda mais em função do grande déficit habitacional que ocorre no Brasil. Nesse caso, os resíduos da construção, demolição, e reformas representam percentuais altíssimos do volume total dos resíduos urbanos. Nossos canteiros de obra são os grandes responsáveis pelo aumento do volume de resíduos e pelos impactos ao ambiente que causam, principalmente por serem levados a lugares inadequados.
É fundamental e mais do que urgente, existir a redução da quantidade de resíduos, bem como um gerenciamento, reciclagem e, conseqüentemente, o reuso dos materiais. Teríamos uma melhora significativa nestes índices, percentuais e dados assustadores. Uma forma simples e eficaz de reciclarmos nossos entulhos em reformas e construções, por exemplo, é enviar todo o resíduo para as ATTs - Áreas de Transbordo e Triagem. Esses locais recebem todo material gerado na obra das empresas de transporte (caçambeiras), cadastradas na LIMPURB, e o separam para reciclagem.
O mais interessante é que tudo pode se transformar. O entulho gerado na obra pode ser modificado em blocos de concreto, ladrilhos, argamassa, contrapiso e base para rodovias. Materiais como o aço, gesso e outros com produtos químicos são separados do concreto, que é triturado por britadeiras e passa por peneiras vibratórias , que separam a areia grossa, o pedrisco e a brita. O agregado triturado é misturado com cimento e aditivos, assim a massa obtida estará pronta para o novo uso, fechando assim todo o ciclo.
Esses dados, apesar de serem divulgados constantemente, podem ser reduzidos quando houver a real e efetiva conscientização em massa sobre o assunto, para que isso se torne um hábito em nossas vidas e, conseqüentemente, nos canteiros de obras. Porém, abordar o assunto, em primeiro lugar significa reciclar nossos conceitos como cidadãos, comprometidos com a nossa qualidade de vida e de futuras gerações.
(Por Gláucio Gonçalves *,
Carbono Brasil, 19/10/2007)
* É arquiteto e diretor fundador do EB-A – Espaço Brasileiro de Arquitetura, escritório que atua com foco em arquitetura sustentável, além de desenvolver projetos para empresas no Brasil, Angola e Portugal.