Portal da Floresta, região setentrional do Estado, está sendo devastada pelo ciclo do boi e pelo corte de madeira O nome de Alta Floresta não corresponde mais fielmente à realidade. A cidade, uma das principais de Mato Grosso, com 49 mil habitantes, está cercada por pasto, assim como outros municípios do Portal da Amazônia, região no extremo norte do Estado. Imagens feitas por satélite demonstram que, em agosto, três das dez cidades mato-grossenses que mais desmataram no mês estão nessa região: Apiacás, Nova Bandeirante e Novo Mundo. Outras quatro (Colniza, Itaúba, Santa Carmen e São Félix do Araguaia) estão coladas ao Portal. Ali, onde o bioma amazônico é predominante, ficaram concentrados 11% dos focos de calor detectados em setembro.
Em comum, todas vivem atualmente o ciclo do boi. É o segundo estágio da tríade madeira-gado-soja, indicado como a principal força econômica por trás do desmatamento no Estado. O local passa atualmente pela consolidação do processo de derrubada da floresta, visto antes na parte sul e central de Mato Grosso. A exceção é Colniza, no extremo noroeste, que sofre forte influência de quem desmata em Rondônia.
Como mostrou ontem reportagem do Estado, Rondônia apresentou uma alta de 600% na taxa de desmatamento entre setembro de 2006 e de 2007, segundo o Ibama, impulsionada pela grilagem. Em Mato Grosso, onde o desmatamento cresceu 107% entre junho e setembro em relação ao ano passado, o Estado visitou cinco municípios (Alta Floresta, Carlinda, Novo Mundo, Marcelândia e Peixoto de Azevedo) e sobrevoou a região.
Perto das zonas urbanas e ao longo das estradas, há apenas poucos fragmentos florestais, isolados como ilhas, cercados por pastagens. Áreas de proteção permanente - topos de morros e margens de rio - são com freqüência mera figura jurídica. Na maior bacia hidrográfica do mundo, no Estado onde estão importantes nascentes, já há rios assoreados e erosão em morros, tal qual o Sudeste e o Centro-Oeste.
A área ainda possui grandes extensões de floresta no interior. Porém, estão cada vez mais pressionadas à medida que o desmatamento sobe na direção norte. A busca por madeiras nobres e o avanço do gado já pressionam unidades de conservação e terras indígenas ainda mais norte, em Mato Grosso, Amazonas e Pará, que formam um cinturão de áreas protegidas (veja mapa ao lado).
Algumas iniciativas locais tentam minimizar o impacto e evitar que a pobreza chegue após o esgotamento dos recursos naturais. Porém, ainda são tímidas e enfrentam obstáculos para sua implementação.
Uma seca excessiva e prolongada atingiu o Estado em 2007. O resultado é que não há horizonte em Mato Grosso nesta época do ano. Pela janela do avião, a 15 mil pés, é possível observar como a fumaça das queimadas, seja para renovar o pasto, seja para queimar floresta, deixou o céu branco e difuso. “A seca foi muito forte neste ano, o que promoveu o fogo no campo”, diz Sérgio Henrique Guimarães, da ONG Instituto Centro de Vida. “Quando chegou a liberação das queimadas, a chuva ainda não havia começado.”
A situação agora é melhor do que há duas semanas, quando chegaram as primeiras chuvas do inverno amazônico, que se estende até abril. Contudo, não foram capazes de dissolver o material particulado em suspensão. Ainda que com menos freqüência do que um mês atrás, há quem aproveite o atraso das águas para queimar mais vegetação.
“Esse aí é só um foguinho”, diz José “Ceará”, de 59 anos, funcionário de uma fazenda em Peixoto de Azevedo (o dono, identificado como Artur, diz que o fogo começou com uma bituca de cigarro). A queimada toma o pasto e Ceará precisa cuidar para que o gado não seja atingido. Ele chegou ao Portal em 1982, atrás do garimpo. Com o fim do ouro, ficou.
Ainda é possível encontrar veios abertos onde aventureiros procuravam minério duas décadas atrás, inclusive dentro do Parque Estadual do Cristalino. Poucos enriqueceram: “Ouro não pára na mão”, diz. Há garimpeiros trabalhando no Parque Nacional do Juruena, criado em 2006.
HOMENS SEM TERRA O norte de Mato Grosso foi colonizado na década de 80. Sob o lema “integrar para não entregar” e “uma terra sem homens para homens sem terra”, propaladas pelo governo militar, empresas colonizadoras levaram para a região um grande contingente de gaúchos, catarinenses e paranaenses, seguidos por nordestinos, que buscavam uma vida melhor.
Como em outras áreas da Amazônia, faltou governança. Grandes extensões de terras foram griladas e a posse era dada a quem derrubasse primeiro a mata. Ainda hoje o índice de irregularidades é elevado. A maioria das propriedades rurais não está cadastrada no Sistema Integrado de Monitoramento e Licenciamento Ambiental (Simlam), da Secretaria Estadual do Meio Ambiente.
Os motivos que levam à deficiência são variados. Segundo o prefeito de Marcelândia, Adalberto Diamante, a burocracia atrapalha. “O plano de manejo para extração de madeira só é aprovado quando o proprietário comprova a posse. Para isso, exige-se que ele tenha desmatado até 20%. E se ele não quer desmatar, se quer explorar os 100% da propriedade de forma sustentável? Aí ele não consegue o plano”, diz Diamante.
Contudo, a falta de adesão ao Simlam também passa por irregularidades fundiárias e ambientais. O próprio prefeito, que vendeu lotes na área quando chegou, nos anos 80, diz que “90% do desmatamento em toda a região aconteceu de forma ilegal”. Já Ceará diz que ainda hoje, “de Matupá até Sinop, só o lado esquerdo da estrada (BR-163) tem papel”.
(Por Cristina Amorim,
O Estado de S.Paulo, 22/10/2007)