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impactos de hidrelétricas
2007-10-22
Graduado em Biologia pelo Colorado College (1969), mestre em Zoologia pela University of Michigan - Ann Arbor (1974) e doutor em Ciências Biológicas pela mesma universidade (1978), Philip Martin Fearnside é pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e estuda problemas ambientais da região desde 1974. Morou dois anos na rodovia Transamazônica antes de entrar no INPA, em 1978. Desde 1992, promove a captação do valor dos serviços ambientais da floresta amazônica como forma de desenvolvimento sustentável para as populações rurais na região.

Em 2004, foi vencedor do Prêmio da Fundação Conrado Wessel na área de Ciência Aplicada ao Meio Ambiente. Em 2006, recebeu do Ministério do Meio Ambiente o Prêmio Chico Mendes com primeiro lugar na área de Ciência e Tecnologia, e no mesmo ano foi identificado pelo Instituto de Informações Científicas (Thomson-ISI) como sendo o segundo mais citado cientista no mundo na área de aquecimento global. Fearnside esteve no 2º Congresso de Jornalismo Ambiental, no dia 12 de outubro, em Porto Alegre, para falar sobre as conseqüências das mudanças climáticas especialmente no Brasil.

Ele mostrou mais de 20 modelos climáticos desenvolvidos em todo o mundo e apontou como os mais confiáveis ou prováveis de concretização os que mostram a tendência à redução dos níveis de precipitação na região. De acordo com o cientista, embora o governo contabilize redução no desmatamento da região nos últimos anos, já se verifica um novo recrudescimento deste problema devido ao aumento da cotação da soja no mercado internacional. E mais: defendeu que é preciso discutir melhor por que e para quem o governo está programando o grande aporte de geração energética que faz parte do PAC, Plano de Aceleração do Crescimento. Fearnside concedeu a seguinte entrevista ao AmbienteJÁ.

AmbienteJÁ – Suas pesquisas vêm há algum tempo mostrando que as hidrelétricas não produzem de fato uma energia limpa devido à formação de metano (um gás com mais de 20 vezes o efeito estufa relativamente ao dióxido de carbono) decorrente do alagamento de vegetação na formação dos reservatórios. Na sua avaliação, quais as conseqüências da implantação de um grande número de hidrelétricas (são, ao todo, mais de 50, entre pequenas e grandes centrais hidrelétricas) nos rios da bacia do Uruguai para o clima do Rio Grande do Sul (dados mapeados e atualizados pela Fepam em julho de 2007)?
Fearnside – Bem, provavelmente não teria muito, evidentemente colocando água... você tem evaporação de água. Eu acho que nesta região não está faltando vapor de água.

AmbienteJÁ – Então, essas usinas e PCHs ou aproveitamentos hidrelétricos não terão impacto algum?
Fearnside – Neste sentido, de mudar a quantidade de água no ar, mudar a chuva, eu acho difícil dizer que há esse impacto. Obviamente que hidrelétricas têm impactos, sobre os cursos de água etc, têm um impacto. E, dependendo da profundidade de cada uma, vai ter esses outros impactos que eu mencionei sobre o efeito-estufa, de gases. Obviamente, quanto menor a hidrelétrica, menor o impacto, mas ainda tem. E no caso da relação entre a área da hidrelétrica e a quantidade de energia que ela gera, essas pequenas hidrelétricas geralmente são piores. São melhores por cada hidrelétrica [individualmente], mas por megawatt de energia, se faz o cálculo e se vê que tem mais área inundada pela mesma quantidade de energia, então tem um impacto, sim. A hidrelétrica de Jatapu em Roraima, por exemplo, é relativamente pequena e pior do que a própria Balbina [área alagada de 2.360 quilômetros quadrados e geração de 250 megawatts] em termos de impactos.

AmbienteJÁ – Com relação ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) quanto ao aspecto de geração de energia, ela será destinada prioritariamente aos interesses da população brasileira?
Fearnside – Bem, no Brasil como um todo, esse é o grande problema. Se falar no destino desta energia no Rio Grande do Sul... mas fazendo uma análise do Rio Madeira, no Xingu etc, a questão principal, que não está sendo debatida, é o que se faz com a energia. E uma boa parte vai para fazer alumínio. Alumínio para exportação. Está praticamente duplicando a capacidade de todas as grandes fábricas de alumínio no país. Em Barcarena, no Pará [a 50 quilômetros de Belém... usa boa parte da energia de Tucuruí uma empresa de 33 firmas japonesas, mais a Vale do Rio Doce, chamada Albrás], em São Luís, no Maranhão, em Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Então, usa-se esta energia para exportação, está-se exportando energia em forma de lingotes de alumínio, e o problema é que enquanto o Brasil assume o papel de suprir alumínio para o mundo inteiro, não tem limite de quantas hidrelétricas precisa. Se é só para suprir o Brasil se precisa fazer “x” energia e só, mas se vai suprir o mundo, não tem limites. Então, isto é que tem que ser debatido, e não é o que as pessoas imaginam. Elas pensam ter lâmpadas nas suas casas etc, com o uso de energia, mas realmente, o problema é essa exportação e o fato de que a política do governo é de aumentar essa exportação. E isso quase não gera benefícios no Brasil. A quantidade de empregos que gera é absolutamente mínima. São 3,7 empregos por gigawatt/hora de energia com alumínio, e a única coisa pior são as ferro-ligas, que também são exportadas. As ferro-ligas são um outro produto metalúrgico onde energia elétrica é o principal insumo. Então, se exporta isto para o mundo, porque outros países não querem fazer hidrelétricas. Fazer outras hidrelétricas na Europa, nos Estados Unidos etc, ninguém quer aquele impacto. Então, estão exportando o impacto para cá e ninguém está pagando custos, nem pagam o próprio custo, tudo isto porque são os contribuintes brasileiros que pagam as hidrelétricas, as empresas.

AmbienteJÁ – Há um cálculo que informe quanta energia é necessária para manter o crescimento doméstico da população em um certo nível, sem esse exagero de uso da energia para exportação?
Fearnside – Eu não tenho esse número, mas com certeza nós temos energia suficiente, se fosse usar para a população brasileira, só que não é isto o que está acontecendo. Então, a primeira coisa que tem que ser debatida é isto: o que se faz com a energia.

AmbienteJÁ – A perda da biodiversidade decorrente dos grandes projetos de hidrelétricas tem um efeito de feedback sobre as mudanças climáticas?
Fearnside – Biodiversidade é diferente de mudanças climáticas. Se perde também biodiversidade com hidrelétricas, mas o efeito sobre as mudanças climáticas é outro. No caso, tem emissão de metano, é uma coisa que eu mesmo levei ao conhecimento geral, em 95, e gerou muita polêmica, inclusive dentro do Brasil há grupos que dizem que é pouca coisa. Mas o importante é contar a emissão que sai das turbinas, porque a água sai das turbinas cheia de metano, que é a principal fonte, não são apenas bolhas que saem da superfície como tem, por exemplo, no relatório do inventário nacional do país que foi liberado em 2004, pelo MCT [Ministério da Ciência e Tecnologia], lançado em Buenos Aires, na COP [Conferência das Partes] da Convenção do Clima.

AmbienteJÁ – Já se fala em um provável apagão devido ao crescimento da economia. Como o Sr. avalia isto?
Fearnside – É, mas este apagão presume que está usando toda aquela energia para fazer alumínio. Se não fosse fazer alumínio, não teria apagão, a energia seria suficiente para manter as outras indústrias que dão mais emprego e para uso residencial. Agora, não significa que não deve ter aumento de energia, mas você primeiro tem que resolver esse problema básico da discussão sobre o que se faz com a energia.

AmbienteJÁ – A comunidade científica do INPA tem alguma proposta quanto à discussão sobre o uso da energia?
Fearnside – Eu já escrevi várias coisas que lidam com isto e tem outros grupos na Universidade de São Paulo que estudam e têm trabalhos publicados a respeito. É um assunto muito importante que não está sendo discutido no país. Se fala sobre como conseguir licenciar a próxima obra, se tem entraves no Ministério do Meio Ambiente etc, e não se fala sobre a parte mais básica que é o que se faz com a energia. Outro exemplo é o desperdício de energia que se tem com o chuveiro elétrico no Brasil. O Brasil é um dos únicos países que usam o chuveiro elétrico. É uma coisa superineficiente dentro da própria segunda lei da termodinâmica, desde Isaac Newton, que cada vez que se faz uma transformação de energia de uma forma para outra, se perde o grosso em entropia, que não é mais aproveitável. Então, se pega gás da Bolívia e se vai gerar energia elétrica, e você perde grande parte da energia. Daí, leva isso para a sua casa e se esquenta a água no chuveiro, perde mais, enquanto se podia esquentar diretamente com o gás, esquentando a água. Ou dá para fazer com a energia solar, perfeitamente, que não usa nenhuma energia de fora. Então, é uma coisa que é realmente impressionante. Você pode comprar um chuveiro elétrico por uns 15, 20 reais, numa ferragem, e isto obriga o governo a gastar vários milhares de reais para construir hidrelétricas que fornecer energia para aquele chuveiro.

AmbienteJÁ – Na sua opinião, o que deveria mudar no modelo de licenciamento ambiental para tornar mais seletiva e rigorosa a construção de hidrelétricas?
Fearnside – Bem, são vários problemas ali. Um é esse problema da discussão sobre o que se faz com a energia, como aumentar a eficiência etc, que está fora, só falam em construir mais hidrelétricas. E depois você tem que ter o levantamento dos impactos e dos benefícios antes de decidir. Isto não acontece. Se levanta isto apenas depois que a coisa já está andando, já está dentro do plano do governo para fazer aquela hidrelétrica e é só uma questão de legalizar a decisão que já foi feita. Então é isto que tem que mudar. Outro grande problema é a ligação entre as hidrelétricas. O nosso sistema, hoje, enfoca uma hidrelétrica e esquece as outras. E no caso de Belo Monte em Altamira, Pará, isto é o “x” da questão. Belo Monte, em si, é maravilhosa em termos da área da hidrelétrica comparada com potência etc. Mas se virmos o programa como um todo... era uma hidrelétrica, agora são três no plano acima, que tem muita área indígena, tudo floresta tropical. São gravíssimos os impactos. Então tem que olhar isto antes de decidir sobre a primeira hidrelétrica. Isto não está acontecendo. De fato, se está propositalmente isolando a Belo Monte do resto do problema. Isto é grave e tem que ser mudado no sistema de tomada de decisão, sobretudo sobre hidrelétricas.

AmbienteJÁ – As hidrelétricas mais antigas perdem eficiência? Há uma crítica quanto à relação custo-eficiência de hidrelétricas como Balbina, por exemplo.
Fearnside – Bem, são coisas diferentes. Balbina foi um escândalo desde o início. Eu tenho vários trabalhos sobre Balbina, eu estava lá durante toda a polêmica decisão sobre isto. E era óbvio que não era viável desde antes de ser construída, mas é uma outra discussão. É a questão de a hidrelétrica encher de sedimentos e parar de funcionar. É uma coisa que acontece em várias hidrelétricas no mundo que estão sendo desativadas etc, e não está sendo levada em conta, em termos de dinheiro e do efeito estufa, esta parte de desativar as hidrelétricas no futuro.

AmbienteJÁ – É o que está se prevendo que vá acontecer com as hidrelétricas do Rio Madeira?
Fearnside – Esse é um problema de planejamento das hidrelétricas. Elas usam um horizonte de tempo de 50 anos, e tem também cálculos para cem anos. Mas não é permanente. De fato, não acabam nesse período. Então é considerado que a coisa sobreviveu tantos anos e então não tem problema. É mais ou menos igual a uma situação médica. Se a pessoa tem câncer e sobrevive cinco anos, então já sobrevive cinco anos! Mas a pessoa já vai ter preocupação no ano seis também, não é? Não é o fim da preocupação.

AmbienteJÁ – Os rios na Amazônia boliviana, em julho deste ano, estavam totalmente secos. No interior de rios imensos, se viam caminhões catando pedras. Isso já é conseqüência do efeito estufa ou é alguma reação climática local? Isto não torna perigosa a construção das hidrelétricas no Rio Madeira?
Fearnside – Bem, é perigoso no sentido de não ter tanta energia quanto eles pensam que vai ter. Se tem menos água, obviamente vai ter menor geração de energia. E todo aquele quadro que mostrei, dos modelos [ele apresentou dados sobre mais de 20 modelos climáticos mundiais em sua palestra], implica menos água e menor geração de energia. Então, é perigoso neste sentido, não no sentido de que vai ser danoso para o clima, mas que o próprio lucro do empreendimento é menor do que estão calculando.

AmbienteJÁ – Quanto tempo o Sr. prevê para a construção dessas hidrelétricas, considerando que a Amazônia já está sob o efeito das mudanças climáticas também?
Fearnside – Eu não tenho um número para isto. No caso do Rio Madeira, ele enche logo de sedimentos, em poucos anos, e chega a um equilíbrio onde os sedimentos vão passando para baixo. Então, ele só gera energia com o próprio fluxo do rio. Não é uma hidrelétrica que vai armazenar água no lago, e depois ser liberada, como Tucuruí ou outras assim. Então, nesse caso, ele iria continuar produzindo energia mesmo depois de se chegar nesse equilíbrio com sedimentos. Tem outros problemas. Por exemplo: o atrito nas turbinas, que vão ter que substituir... esses custos não estão incluídos nos cálculos oficiais. Tem muitas outras coisas.

AmbienteJÁ – O Sr. falou que o El Niño pode ser provocado pelo efeito estufa?
Fearnside – É, exatamente. Esse é o “x” do problema. Veja no relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, versão em Português), resumo do original disponível na Internet, no capítulo 10. O efeito estufa leva à intensificação de El Niño. Se chegou à conclusão de que o efeito estufa leva a condições tipo El Niño. É quanto a isto que há concordância. Se conseguiu um consenso no IPCC de que o efeito estufa aumenta as condições tipo El Niño. Agora, o aumento do El Niño em si, que são as inundações, secas etc, quanto a isto ainda não há um acordo. Eu acho que é uma questão de tempo, de alguns anos.

AmbienteJÁ – Uma última questão: o que o Sr. tem a dizer quanto a Al Gore ter recebido há pouco o Prêmio Nobel da Paz?
Fearnside – Eu fico muito feliz, eu acho superimportante não só para reconhecer ele, mas para se divulgar o assunto, para o mundo levar esse assunto mais a sério. É muito boa notícia.

(Por Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 22/10/2007)

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