O desmatamento na Amazônia brasileira voltou a crescer -8%, nos últimos quatro meses, sobre o mesmo período de 2006- após três anos em queda. As taxas estão longe do recorde de 2004 (27 mil km2), mas não é desprezível a chance de que esteja em gestação o "cenário de catástrofe" descartado pelo Ministério do Meio Ambiente.
As cifras do desmatamento sempre foram um ponto nevrálgico. Descontada alguma mentalidade colonialista ainda presente em países desenvolvidos, a preocupação de seus cidadãos com uma floresta a milhares de quilômetros de distância não é de todo impertinente. Na Amazônia está o maior remanescente contínuo de floresta tropical do globo, e o Brasil concentra cerca de 60% desse patrimônio.
Não se trata só de valorização sentimental da natureza. A Amazônia concentra em quantidade incontrastável três ativos com potencial para influenciar cada vez mais o rumo da economia mundial: biodiversidade, água e carbono fixado (na queima da mata, ele alcança a atmosfera e ajuda a agravar o efeito estufa). O estoque e a produtividade do ecossistema nessas áreas lhe conferem alto valor estratégico, ainda que isso hoje traga pouco benefício para mais de 20 milhões de brasileiros na região.
Enquanto não se desenvolvem arranjos produtivos que agreguem mais valor aos produtos desse acervo biológico, permanece o incentivo a dilapidar o capital natural. Grileiros e madeireiros ilegais são acionados por pecuaristas interessados na abertura de novas áreas, após vender sua terra já desmatada a empresários do agronegócio, como a soja que avança por Mato Grosso e na região de Santarém (PA). Quando sobem os preços da commodity, como agora, a engrenagem se põe em marcha no chamado Arco do Desmatamento, que inclui ainda Rondônia.
Não surpreende, assim, ver as taxas de desmate de setembro nesses Estados crescerem 59% (PA), 84% (MT) e até 602% (RO), na comparação com setembro de 2006. Também houve aumentos em relação ao mês anterior (respectivamente 191%, 48% e 65%). É preocupante o caso do Pará: um quarto do desmatamento ocorrido ali de agosto de 2006 a julho de 2007 atingiu unidades de conservação, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia.
Esgota-se, portanto, o expediente de decretar reservas sem dotá-las de pessoal e equipamentos. Ainda que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, feche 2007 com uma taxa anual abaixo de 10 mil km2 (pois a data-base do desmatamento é 1º de agosto, anterior ao repique), seu ministério será talvez obrigado a retomar grandes ações de repressão com a Polícia Federal para conter a tendência.
O ímpeto da fronteira agrícola já não parece deter-se diante da interdição fundiária nas áreas protegidas. Ele só será disciplinado com um zoneamento agroecológico abrangente da Amazônia, desde que ele também não fique no papel, e com o avanço da experiência de concessões florestais inaugurada há um mês em Rondônia -maior aposta do governo para legalizar, monitorar e reduzir o impacto da exploração madeireira.
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Folha de São Paulo, 19/10/2007)