Coexistência de transgênicos com agricultura familiar é impossível, diz ex-diretora do Greenpeace e ex-secretária do MMA
transgênicos
propriedade intelectual
2007-10-18
A ex-secretária de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Marijane Lisboa esteve em Porto Alegre na noite de terça-feira (16/10) participando de um debate sobre Cultura e Natureza: o que o software tem a ver com os transgênicos? O encontro teve como foco o avanço das práticas recombinantes na rede como um contraponto ao enrijecimento e controle da propriedade das idéias. Marijane foi diretora executiva do Greenpeace entre 1991 e 2002, quando se desligou para um ano depois assumir um cargo no governo Lula. À frente da secretaria foi responsável por propor políticas e normas, definir estratégias e implementar programas e projetos relacionados à política ambiental urbana e à gestão integrada dos ambientes costeiro e marinho.
Nascida no Rio de Janeiro, formada em Sociologia, Marijane possui doutorado na área de Ética e Meio Ambiente pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), instituição na qual leciona há 20 anos. Além da ambientalista, participaram Mário Teza, da Associação Software Livre e Pedro Rezende, professor da Universidade de Brasília (UNB). O debate foi o segundo de um ciclo que ocorre dentro do Seminário Além das Redes de Colaboração, realizado em Porto Alegre de 15 a 18 de outubro no salão nobre da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Leia entrevista abaixo.
Ambiente JA - O que o software tem a ver com os transgênicos, afinal?
Marijane - Bastante a ver, em ambos os casos são tecnologias modernas e apropriadas privadamente de conhecimentos desenvolvidos coletivamente. Tanto num caso como no outro, há uma longa historia do pensamento humano, de técnicas de codificação até chegar a essa tecnologia da informática. É o mesmo movimento de apropriação e privatização do pensamento e mercantilização das técnicas agrícolas, ou seja, de transformar conhecimento em mercadoria privada de alguém, no caso das grandes companhias.
Ambiente JA - O que são avanços recombinantes na rede? E como podem ser um contraponto a esse enrijecimento e controle da propriedade de idéias?
Marijane - Temos do outro lado, movimentos que lutam para barrar essa idéia de liberdade de conhecimento, como o pessoal do Brasil Livre de Transgênicos, do qual fazem parte indígenas, pequenos agricultores, quilombolas, enfim, todos aqueles que detém conhecimento milenar de técnicas de agricultura e que lutam para que não sejam mercantilizadas.
Ambiente JA - Como se dá o embate entre os agentes concentradores de poder e riqueza com os defensores da liberdade de conhecimento?
Marijane - É um embate muito desigual porque essas empresas que se apropriam desse conhecimento, têm o poder econômico e político, além de grande capacidade de envolvimento da comunidade cientifica, já que grande parte dessa comunidade trabalha para essas empresas, sendo financiada por elas. De um lado há financiamento público e privado para essas pesquisas de empresas, mas não há para preservação dos conhecimentos tradicionais acumulados há tanto tempo. E nem para avaliar a segurança dessa biotecnologia. Elas podem trazer prejuízos e era preciso estudar esse impacto. De um lado as grandes empresas de biotecnologia com grande grupo de cientistas a seu favor e governos simpáticos porque vêem promessas econômicas, e de outro lado, os grupos sociais e um setor menor da comunidade científica sem recursos e que tentam resistir a esse avanço porque enxergam nisso um prejuízo que pode ser irreversível. A coexistência de transgênicos com agricultura tradicional ou familiar é impossível pela contaminação.
Ambiente JA - Como aplicar essa liberdade de conhecimento estando à frente de uma secretaria de governo?
Marijane - Dentro do Ministério eu tinha minha opinião, que era contrária aos rumos que a política do governo Lula e o Ministério assumiu, como de não fazer estudos de impacto ambiental para transgênicos e retirar do Ministério a atribuição de fazer o licenciamento. Essa foi uma das razões de saída em junho de 2004.
Ambiente JA - Por que a senhora se desligou do Greenpeace e posteriormente, do governo?
Marijane - Não me desliguei do Greenpeace, eu fui desligada. Assim como outras entidades, a ONG tem um conselho que tem poder de indicar e demitir o seu secretário-executivo. Por divergências políticas eles pediram para eu sair. Especificamente sobre a campanha do Greenpeace internacional na Amazônia, divergimos quanto a maneira de conduzir a campanha. O Greenpeace internacional pressionou para me demitirem. O poder acaba contando, ainda mais quando associado ao dinheiro. Infelizmente é um fato, embora não retire o mérito de do Greenpeace defender boas causas e é uma entidade respeitada. Apenas foi um episódio.
(Por Carlos Matsubara, Ambiente JA, 17/10/2007)