Em 10.10.2007, O Globo noticiou que segundo o Ministério Público do Trabalho as negociações com a Petrobras para substituição dos empregados terceirizados estão encerradas; o caminho agora é a Justiça. Segundo o balanço social da Petrobrás, são 176.810 pessoas trabalhando por meio de empresas prestadoras de serviço, contra 61.166 funcionários que entraram por concurso público. Quase três vezes mais terceirizados do que contratados. Os primeiros, em condições de trabalho precárias e inferiores, sobretudo operários de diversas categorias.
"Com seus coloridos portfólios de responsabilidade social, repletos de imagens de gente bem assistida e de robustos periquitos e papagaios, a empresa [Vale do Rio Doce] atenua ou ofusca a ausência de efeitos sociais do seu cada vez mais lucrativo funcionamento. Um número abre as portas para uma percepção mais aguda: enquanto o aumento dos empregos próprios entre 2006/07 foi de 10,71%, o incremento dos empregos terceirizados no mesmo período alcançou mais do que o dobro: 24,06%" (Lúcio Flávio Pinto, "CVRD: brilho fictício", 13.8.2007).
"As condições de trabalho na Vale, no caso de trabalhadores de minas, são más. Eles são superexplorados, ao ponto de estarem reduzidos a uma debilidade organizativa crônica. A Vale reduziu drasticamente seus quadros, desde a privatização. Hoje, em Itabira e Congonhas, trabalham para a Vale empregados terceirizados de umas 50 pequenas empresas, em muito más condições. São uma espécie de lumpen proletariado. Há casos de trabalhadores que há 15-20 anos não tiram férias" (Entrevista com Carlos Cleto, advogado do sindicato de trabalhadores da CVRD em Itabira e Congonhas, MG, em Marcos Arruda, "Minerando Seres Humanos e Destruindo o Meio Natural: Casos de Irresponsabilidade Social e Ambiental da Cia. Vale do Rio Doce - I", Pacs (www.adital.com.br), Rio de Janeiro.
Portanto, a Petrobrás, empresa mista de controle estatal e lucros predominantemente dominados por estrangeiros e testas-de-ferro, e a Vale, empresa mista de controle privatizado e lucros predominantemente dominados por estrangeiros e testas-de-ferro, se comportam da mesma maneira em relação à força de trabalho: exploração dos ainda empregados, terceirização, precarização, submissão e opressão. A razão não é difícil de identificar: ambas se comportam segundo a lógica comercial, de buscar o máximo lucro no menos tempo e a qualquer custo. O primeiro custo é o emprego e a condição digna de trabalho humano. Vão pro brejo. Assim, os lucros aumentam e se concentram ainda mais nas mãos dos acionistas. A lógica corporativa esmaga a lógica pública e acontece uma desdemocratização dos benefícios, em ambos os casos.
Segundo o Ministério Público do Trabalho, "há uma completa falta de transparência da companhia [Petrobrás]. Prometeram apresentar os contratos dos terceirizados e nada foi mostrado. Adiaram reuniões, desmarcaram outras e não estavam dispostos a mudar a situação."(...) "O procurador pedirá também que o MPF investigue prática de improbidade administrativa na companhia."
Em ambos os casos parece haver um abismo entre a retórica e a prática da responsabilidade social e ambiental corporativa. A nosso ver, só o paradigma cooperativo e solidário permitirá fazer a ponte entre discurso e prática. O preço será desprivatizar e republicizar ambas as empresas! Reconhecer o valor e a sacralidade do trabalho, saber e criatividade do conjunto de trabalhadores a serviço de ambas as empresas, pois eles são os verdadeiros geradores da riqueza produzida por elas!
No caso de ambas, o problema não se situa apenas na esfera da responsabilidade social e ambiental, mas atinge, sobretudo, a questão da soberania nacional. A quebra do monopólio da Petrobrás pelo governo FHC e os leilões de privatização dos blocos petrolíferos das bacias sedimentares brasileiras, movidos pela pressa do governo federal em explorar e exportar petróleo a qualquer custo para gerar divisas que aumentem a capacidade de pagamento da dívida externa e de remessa de lucros, dividendos e royalties, no caso da Petrobrás; e a privatização fraudulenta da Vale em 1997, também pelo governo FHC, que alienou um imenso patrimônio público em minérios sem qualquer consulta à população, estariam na pauta da Justiça Federal de qualquer país rico. Por que esses países têm o direito de proteger seus interesses nacionais e nós não? Por que aceitar que governos como o de FHC e o de Lula falaciosamente identifiquem a perpetuação da privatização de parte importante do patrimônio e dos lucros das duas empresas com o interesse nacional?
Só a pressão popular poderá induzir vontade política nos três Poderes da República em favor dos interesses do Brasil, como é o caso do plebiscito popular recente que focalizou a desprivatização da Vale do Rio Doce, o mau uso dos recursos do Orçamento Público, os preços injustos da energia elétrica privatizada, e o tipo de reforma da previdência que está sendo cogitado em prejuízo dos trabalhadores. O plebiscito alcançou mais de 3,7 milhões de pessoas em todo o país - a maior, a mais democrática e a mais representativa pesquisa de opinião pública dos últimos anos (as pesquisas eleitorais feitas por agências especializadas somente alcançam até 2.500 pessoas!) E quase 95% votaram pela desprivatização da Vale do Rio Doce, e 92% pela inversão das prioridades dos gastos públicos, priorizando os gastos sociais acima dos pagamentos de juros da dívida pública aos banqueiros (a campanha visa a realização da auditoria desta dívida e da conseqüente renegociação soberana da mesma, como prevê a Constituição de 1988).
(Por Marcos Arruda*,
Adital, 16/10/2007)
* Socioeconomista e educador do PACS - Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul, Rio de Janeiro, e sócio do Instituto Transnacional