Manchetes sensacionalistas sobre o aquecimento global chamam a atenção das pessoas para o tema, mas provocam arrepio na comunidade científica. “O catastrofismo feito pela mídia é preocupante, pois tira a esperança das pessoas. Para que vão se preocupar em fazer algo se o futuro já é incerto?”, disse José Antonio Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O meteorologista foi um dos debatedores da conferência “Mudanças Climáticas” durante o 2º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, realizado na semana passada, em Porto Alegre.
Segundo Marengo, a cobertura da imprensa brasileira sobre o aquecimento global tem ocorrido de forma cíclica, nos últimos tempos acompanhando especialmente a divulgação dos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês) – que dividiu com o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore o Prêmio Nobel da Paz de 2007.
“As reportagens vêm em pulsos. Quando houve o furacão Katrina foram três dias falando sobre isso, depois parou”, disse à Agência FAPESP, sugerindo que a imprensa mantenha um fluxo contínuo de informações sobre o tema.
O pesquisador criticou a forma como alguns veículos de comunicação chamaram a atenção para o aquecimento global, apelando para imagens como a de um urso polar perdido em um pequeno bloco de gelo. “O Brasil, por exemplo, tem outras representações para os dilemas tropicais, como as hipóteses da ‘savanização’ da Amazônia ou da desertificação do semi-árido nordestino”, afirmou.
Os equívocos conceituais de muitas matérias também foram alvos de críticas. Segundo o glaciólogo Jefferson Cárdia Simões, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a mídia confunde termos distintos como aquecimento global, mudanças climáticas, efeito estufa e camada de ozônio.
“Ainda leio na imprensa que o derretimento da calota polar vai aumentar o nível no mar”, disse. Segundo ele, a mídia não distingue diferenças entre o gelo da Antártica e do Ártico – o 'manto de gelo’, formado pelo acúmulo da neve precipitada no continente antártico é diferente do mar congelado comum ao ártico.
O aumento do nível do mar só ocorreria se as grandes geleiras da Antártica e da Groenlândia derretessem, mas o gelo marítimo do pólo Norte não contribui para isso. “É um conceito simples de física. Pelo princípio de Arquimedes, o gelo em suspensão no líquido, se derreter, não elevará o nível da água”, destacou.
Por outro lado, a Antártica representa apenas 0,08% do gelo que está derretendo no mundo – a maior parte da perda de gelo ocorre no topo das montanhas. “A visão que impera é que o derretimento das calotas polares vai elevar o nível do mar. Os números são absurdos e chegam a 70 metros, que representa a elevação do nível se todo o gelo do mundo derretesse, mas isso jamais ocorreu na história da Terra”, disse.
Para Simões, falta aos jornalistas conhecimento sobre como ocorre o “fazer científico”. A imprensa também não diferenciaria publicações avaliadas por pares daquelas que representam “opiniões pessoais”. “É preciso pesar as fontes quando for dado espaço para esse ou aquele cientista”, afirmou.
Mas a ciência não é perfeita e nem pode ser apresentada como tal, apontou o glaciólogo em tom de mea-culpa. “O IPCC faz previsões e é arriscado tratá-las como verdades absolutas. Se essas previsões não ocorrerem, o público pode deixar de acreditar na ciência”, disse.
O outro lado De acordo com os presentes na conferência na capital gaúcha, a comunidade científica entende quais são as dificuldades da imprensa nas matérias sobre o aquecimento global. Segundo o jornalista Ulisses Almeida Nenê, do Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul, os pesquisadores deveriam usar sua experiência de modo a facilitar a comunicação com a imprensa, utilizando uma linguagem mais acessível.
“Os cientistas se preocupam com a própria pesquisa, mas não pensam em como ajudar a imprensa na divulgação desses estudos”, disse. Surge, então, um grande desafio para os jornalistas: despertar o interesse na população sobre questões ambientais e divulgar as pesquisas com precisão.
Segundo Almeida Nenê, a saturação de matérias sobre o aquecimento global na imprensa nos últimos meses pode provocar a banalização do tema, como ocorreu com a questão da violência. Para justificar a continuidade do tema na mídia, é preciso buscar aspectos voltados à realidade local ou a pesquisas específicas e ainda não cobertas pela mídia.
“Hoje, o interesse pela questão ambiental tem muito fogo de palha. Há pouco compromisso dos atores. As empresas de mídia deveriam se engajar de verdade”, disse. Para ele, a união entre jornalistas e cientistas melhoraria a comunicação da ciência na mídia.
(Por Murilo Alves Pereira,
Agência Fapesp, 16/10/2007)