Mudanças do clima podem estar misturando água quente ao oceano Austral, trazendo espécies invasoras ao pólo Projeto integra censo internacional da vida marinha no continente gelado e é um dos estudos brasileiros no Ano Polar
Pesquisadores brasileiros zarpam para a Antártida nos próximos meses para tentar responder a uma das perguntas mais quentes sobre a vida no continente gelado: as mudanças climáticas estão alterando os padrões de circulação das correntes no oceano Austral?
O grau de conexão marinha da Antártida com os oceanos Atlântico, Pacífico e Índico -que tem conseqüências para a biodiversidade, já que as espécies antárticas aparentemente estão isoladas em águas mais frias- é um dos grandes focos de investigação do Ano Polar Internacional, o maior esforço científico internacional já feito, cujas pesquisas começam oficialmente no próximo verão.
Os cientistas tentarão descobrir qual é o real grau de isolamento do continente.
"Pesquisas recentes mostram que a chamada frente polar marinha não é uma barreira tão intransponível assim", disse à Folha Lúcia Campos, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
É sabido que um cinturão com água bastante mais fria em comparação com as águas dos demais oceanos abraça o continente branco. E essa massa aquática, em tese, também impediria que a vida marinha que existe fora do cinturão migrasse mais para perto do Pólo Sul.
Essa transposição ficou provada, porque algumas espécies de caranguejos de águas mais quentes foram encontradas perto da Antártida nos últimos anos, explica Campos.
A pesquisadora estará engajada no censo da vida marinha antártica, um dos 11 projetos de pesquisa que o Brasil realizará durante os próximos dois verões, durante o ano polar. Para isso, o MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia) aprovou um orçamento de aproximadamente R$ 8 milhões.
No caso do censo- um grande projeto internacional com a participação de vários países e em curso desde 2004-, o trabalho de campo está preparado para rastrear desde micróbios até os grandes predadores da teia alimentar, como baleias e aves. "Usaremos também um robô [feito pela própria UFRJ, que recebeu o apelido de "Luma"], mas apenas para fazer o levantamento fotográfico da Baía do Almirantado, uma das áreas do nosso estudo."
A possível queda da barreira marinha antártica, especulam os cientistas, pode mesmo ser fruto das mudanças climáticas.
"Até que ponto águas mais quentes não contribuem para a chegada de espécies invasoras? Será que a Antártida é mesmo isolada?", indaga Campos.
Pelo menos um consenso existe: a biodiversidade antártica é considerada alta pela ciência, como já revelaram outras campanhas oceanográficas prévias, também feitas por equipes que participam do censo marinho. Coletas feitas em profundidades de 748 m a 6.348 m pelo navio alemão Polarstern revelaram grandes surpresas em maio. Foram trazidas para o convés mais de 1.400 espécies. E 800 delas eram inéditas.
De vento em popa
O levantamento da vida marinha é apenas uma das preocupações dos cientistas brasileiros durante o Ano Polar Internacional. Alguns grupos, como o que existe na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), estão preocupados com a terra, ou pelo menos com a neve que existe sobre ela.
Serão feitos estudos sobre a dinâmica e o balanço de massa (a diferença entre o que uma geleira perde por degelo e o que ganha por queda de neve) do manto de gelo no interior da Antártida, além de perfurações rasas para levantamentos geofísicos e paleoclimáticos. Todas as grandes áreas da oceanografia serão contempladas pelas pesquisas brasileiras. O navio brasileiro Ary Rongel, neste momento, navega em direção ao continente gelado. Ele partiu 7 de outubro do Rio de Janeiro e só volta em abril.
(Por Eduardo Geraque,
Folha de S.Paulo, 17/10/2007)