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trabalho escravo
2007-10-13
Advocacia-Geral da União e Ministério do Trabalho acertam parceria para apoiar as atividades do grupo móvel, paralisado desde o dia 21 devido à pressão de senadores que questionaram autuação de fazenda de cana-de-açúcar.

SÃO PAULO - O ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, anunciou que o grupo móvel de fiscalização retomará as suas atividades na próxima segunda (15). Composto por auditores fiscais do trabalho, procuradores do trabalho e policiais federais, essas equipes são responsáveis pela libertação de escravos em todo o país.

As operações de verificação de denúncias e libertações de trabalhadores estavam suspensas desde o dia 21 de setembro. O motivo foram as pressões sofridas pelo grupo móvel por senadores. Eles questionam uma fiscalização realizada em junho deste ano na fazenda de cana e usina Pagrisa, em Ulianópolis (PA), quando 1.064 pessoas foram resgatadas. O ministério optou por paralisar as atividades até que fosse garantida segurança funcional aos auditores.

O anúncio foi feito na manhã de hoje em evento em Brasília, após a assinatura de um termo de cooperação técnica entre o Ministério do Trabalho e Emprego e a Advocacia-Geral da União (AGU), prevendo o acompanhamento jurídico permanente das ações desenvolvidas pelo grupo móvel, com suporte de advogados aos fiscais que forem chamados por autoridades públicas para prestar esclarecimento sobre suas ações.

No período em que as atividades ficaram suspensas, entidades governamentais e organizações da sociedade civil saíram em defesa do sistema de combate ao trabalho escravo e do grupo móvel, fato que ganhou grande repercussão dentro e fora do país. "Foi uma vitória e serviu para demonstrar que não há força capaz de impedir uma ação republicana do Estado brasileiro para promover a cidadania", disse Carlos Lupi. De acordo com a Secretaria de Inspeção do Trabalho, já há ações programadas atendendo a denúncias de trabalhadores rurais.

Além do advogado geral da União, ministro José Antônio Dias Toffoli, também estavam presentes o senador José Nery (PSOL-PA), presidente da subcomissão do Trabalho Escravo do Senado Federal, e Laís Abramo, diretora do escritório da Organização Internacional do Trabalho no Brasil.

Caso Pagrisa
A Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego suspendeu, no dia 21 de setembro, todas as novas operações que fiscalizariam denúncias de trabalho escravo no país. De acordo com memorando de Ruth Vilela, chefe da secretaria, direcionado ao ministro do Trabalho Carlos Lupi, o motivo foi a desqualificação de uma operação de libertação de escravos por uma Comissão Temporária Externa do Senado Federal e ameaças feitas por esta comissão contra os fiscais do trabalho. No dia anterior (20), cinco senadores visitaram a fazenda Pagrisa, localizada em Ulianópolis (PA), que no dia 30 de junho foi palco da maior libertação de trabalhadores da história do país.

A visita parlamentar contou com a presença dos senadores Romeu Tuma (DEM-SP), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Kátia Abreu (DEM-TO), Cícero Lucena (PSDB-PB) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). Eles anunciaram que pediriam a abertura de inquérito da Polícia Federal para verificar os procedimentos adotados pelo grupo móvel durante a autuação da Pagrisa. Segundo a Agência Senado, Kátia Abreu afirmou que a empresa "é muito bem administrada e forma uma comunidade de trabalhadores rurais", explicando o porquê de uma investigação aprofundada sobre o grupo móvel. A senadora, quando deputada federal, atuou contra a aprovação da proposta de emenda constitucional que prevê o confisco das terras em que trabalho escravo for encontrado.

De acordo com a Secretaria de Inspeção do Trabalho do MTE, a visita dos senadores, que atacaram a fiscalização, instalou um clima de insegurança que colocou em risco a continuidade das operações. Vale lembrar que os auditores fiscais do trabalho que atuam na zona rural têm sido vítimas de violência por parte de fazendeiros descontentes com as autuações. O caso mais famoso foi a chacina de três auditores e um motorista do MTE no dia 28 de janeiro de 2004, em Unaí (MG), durante uma fiscalização de rotina. Mas não é o único: em 8 de fevereiro do ano passado, o grupo móvel foi recebido a balas por fazendeiros, apoiados por policiais militares, em Nova Lacerda (MT). Ameaças contra o grupo já eram constantes antes das declarações dos senadores.

No mesmo dia 21 de setembro, o Ministério Público Federal no Pará ajuizou ação penal por trabalho escravo contra Murilo Vilella Zancaner, Fernão Villela Zancaner e Marcos Villela Zancaner, proprietários da Pagrisa por causa da ação de libertação dos trabalhadores. Eles são acusados de frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho (artigo 203 do Código Penal), expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente (artigo 132) e reduzir alguém a condição análoga à de escravo (artigo 149).

De acordo com a assessoria do MPF, a gravidade dos crimes cometidos pelos irmãos Zancaner justifica a aplicação da pena máxima de 15 anos de prisão. O Ministério Público concluiu, com base nas provas e no relatório, que os irmãos Zancaner, "dotados de vontade livre e consciente, reduziram os 1064 trabalhadores a condição análoga à de escravo, submetendo-os a trabalhos forçados, a jornada exaustiva e cerceando a liberdade de locomoção desses trabalhadores, por meio da dificuldade de saída da fazenda, pela parca percepção de vencimentos, atrelada à cobrança excessiva pelos medicamentos e à cobrança de transporte para a cidade".

Legislativo contra Executivo
A Comissão Externa foi criada a partir de um requerimento do senador Flexa Ribeiro. José Nery (PSOL-PA) chegou a propor que a visita contasse também com a presença de membros da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), mas a proposição não foi aprovada pelos seus pares. A Comissão só contou com parlamentares favoráveis à Pagrisa.

"A demissão em massa dos empregados vem ocasionando manifestações discordantes do procedimento empregado pela fiscalização, especialmente de entidades civis, líderes locais e da população do município, apreensivos com as conseqüências da demissão", afirmou na época Flexa Ribeiro.
Desde a megaoperação, o senador vem realizando lobby pela empresa, que cultiva cana-de-açúcar e produz açúcar e etanol. Durante a fiscalização, ele foi trazido em um avião da própria Pagrisa para acompanhar a ação de libertação.

Em reunião no gabinete do ministro Carlos Lupi (PDT), no dia 12 de julho, Flexa Ribeiro acusou o grupo móvel de fiscalização do MTE de abuso de poder. Também estavam presentes na reunião os deputados Giovanni Queiroz (PDT-PA) e Paulo Rocha (PT-PA), além do presidente da empresa, Marcos Villela Zancaner, do presidente da Federação das Indústrias do Estado do Pará, José Conrado, e do presidente da Confederação Nacional da Pesca e Aqüicultura, Fernando Ferreira.

Humberto Célio Pereira, coordenador da ação de libertação, tem sido um dos mais atacados por senadores que defendem a empresa. Mas ele mantém o que foi escrito em seu relatório de fiscalização: a situação era degradante, com trabalhadores que não ganhavam salários, já que os descontos ilegais realizados pela empresa consumiam quase tudo o que havia para receber. A comida fornecida estava estragada e havia várias pessoas sofrendo de náuseas e diarréia. A água para beber, segundo relato dos empregados na fazenda, era a mesma utilizada na irrigação da cana e, de tão suja, parecia caldo de feijão. O alojamento, de acordo com Humberto, estava superlotado (não havia espaço para todos) e o esgoto corria a céu aberto. Vindos em sua maioria do Maranhão e do Piauí, os trabalhadores não tinham transporte à disposição para levá-los da fazenda ao centro de Ulianópolis, distante 40 quilômetros.

A Petrobras e a Ipiranga, entre outras distribuidoras de combustíveis signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, afirmaram que deixaram de comercializar com a empresa até que seja regularizada sua situação trabalhista.

O ministro Carlos Lupi defendeu a operação de fiscalização na Pagrisa em reunião da Conatrae, no dia 31 de julho, quando os ministérios, demais órgãos públicos e organizações da sociedade civil que compõem a comissão divulgaram uma nota pública reafirmando o apoio às ações do grupo móvel e criticaram as pressões sobre o combate ao trabalho escravo.

Por diversas vezes, houve tentativas de interferência política no trabalho do grupo móvel, principalmente quando os proprietários das fazendas eram políticos ou empresários importantes. Um exemplo foi o caso do segundo secretário da Câmara dos Deputados Inocêncio Oliveira (PR-PE), de cuja fazenda foram libertados 53 trabalhadores no Maranhão em 2002. Na época, houve tentativas para se abafar o caso, mas o governo federal manteve a fiscalização. Da mesma forma, o MTE e empresas socialmente responsáveis sofreram pressão de deputados federais, inclusive do então presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti, devido à operação de fiscalização que libertou 1003 pessoas da Destilaria Gameleira, em Confresa (MT), em junho de 2005. Na época, o ministro Ricardo Berzoini chegou a expulsar representantes da empresa que vieram pressioná-lo em seu gabinete.

(Repórter Brasil*, 11/10/2007)

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