Enquanto uma série de problemas ambientais gerados pela represa de Três Gargantas causou uma inundação, as autoridades da China examinam planos para recolocar mais de um milhão de pessoas, a fim de evitar uma catástrofe ecológica. Quebrando uma tradição propagandista de ressaltar as virtudes da represa, a qual gosta de apresentar como um dos símbolos de seu crescimento, Pequim admitiu publicamente no mês passado que havia “perigos ocultos” no projeto. A represa, que criou uma reserva de 640 quilômetros de comprimento, sofre deslizamento de terra, geração de lodo e erosão.
O acúmulo de todos estes elementos pode dar lugar a um desastre a um desastre ambiental se não se chegar a uma solução rápida, alertaram especialistas. Embora este ponto de vista tenha sido mantido por ambientalistas e observadores independentes durante anos, Pequim calou a oposição interna ao projeto, destacando a capacidade da represa de controlar as inundações nas estações chuvosas e gerar energia hidrelétrica. Agora a represa de Três Gargantas produz eletricidade suficiente a cada ano para substituir 50 milhões de toneladas de carvão contaminante e reduzir as emissões de carbono da China em cem mil toneladas. A estrutura de 185 metros no rio Yangtze – o maior da Ásia – acabou de ser construída em 2006 e toda a central ficará terminada em 2009.
No mês passado, os opositores ao projeto ficaram assombrados pelo fato de Pequim reconhecer de maneira surpreendente as falhas da represa. “Se não forem tomadas medidas preventivas, o projeto pode levar a uma catástrofe”, admitiram especialistas chineses à agência oficial de notícias Xinhua, em uma entrevista convocada pelo governo. Enquanto isso, o governo de Chongqing, na região da reserva, apresentava um projeto para a recolocação em massa de 1,17 milhão de pessoas da área da represa. Os planos de reassentamento, revelados pelo jornal 21st Century Economic Herald, exigem a redução da população da reserva para “salvaguardar ecologicamente a área da represa e criar uma importante barreira ecológica dentro da bacia do rio Yangtze”.
A recolocação, que os líderes locais querem completar até 2020, situará o número total de reassentados pelo projeto Três Gargantas em 2,3 milhões. Em lugar de levar as pessoas para outras terras, encosta acima, a municipalidade de Chongqing, na parte superior do Yangtze, planeja absorver nessa cidade os agricultores que perderam suas terras e transformá-los em moradores urbanos. Ao abandonarem seus direitos sobre a terra, estas pessoas seriam habilitadas a ter o seguro social próprio dos habitantes das cidades. “Este segundo programa de reassentamento integrará a transferência da força trabalhista rural no processo de urbanização e industrialização”, disse ao jornal Miu Wei, funcionário da Comissão de Desenvolvimento e Reforma de Chongqing.
Pequim aprovou o plano de reassentamento, qualificando-o de um passo “de grande importância para a proteção ambiental da reserva de Três Gargantas”. Mas, a tentativa de apresentar a recolocação como parte de um processo de urbanização acelerada fez com que alguns observadores ambientais duvidassem dos motivos que há por trás disso. “A urbanização teve o consentimento do público e ninguém a vê como parte da modernização da China. Mas, o abandono da terra e o reassentamento forçado pode ser um assunto socialmente muito delicado”, disse um dos especialistas, que falou na condição de não ser identificado, por medo de represálias no tenso período que antecedia o Congresso do Partido, iniciado ontem.
“Este segundo reassentamento proposto provocará mais dúvidas do que respostas”, concordou Grainne Ryder, diretor de políticas da Probe International, uma organização de defesa ambiental com sede no Canadá, em um e-mail enviado em resposta a consultas feitas pela IPS. “Por trás desta lógica ambiental e de segurança pública pode haver mais apropriações de terra por parte de funcionários do partido na obras, por parte de funcionários do governo e seus parceiros, que querem desenvolver áreas rurais como destinos turísticos, para seu beneficio pessoal, sem nenhuma relação com a proteção ambiental”, acrescentou Ryder.
Curiosamente, os planos de reassentamento foram, revelados pouco depois de a municipalidade de Chongqing e Chengdu, a vizinha capital da província de Sichuan (centro do país) receberam o status de “nova zona experimental especial”, muito cobiçado dentro do país. Esta condição lhes permite se beneficiarem de importantes fundos e políticas preferenciais. E, o que talvez não seja mais essencial em um país com escassos recursos de terra como a China, isto lhes da mais liberdade para decidir sobre manejo da terra e planejamento urbano. Como à conversão da terra agrícola foi estritamente regulamentada nos últimos anos e Pequim realizou uma ofensiva contra os infratores, apenas uns poucos controlaram reassentamentos como as zonas especiais, às quais se permitiu legalmente maior liberdade de expansão.
Chengdu já tentou passos nessa direção. Há pouco reassentou 33 mil camponeses, deixando livre a terra que habitavam para construir o que chamou de um novo povoado comercial-residencial “verde”, A Montanha Oriental. Chongqing também precisa de mais terra e fundos, já que luta para enfrentar o legado da represa de Três Gargantas. Alguns consideram que a cidade é a área de maior expansão urbana do mundo. Na China costuma ser descrita com uma “aldeia dentro da cidade”. Desde sua elevação, há 10 anos, como quarta municipalidade administrada centralmente na China cresceu de maneira fenomenal, absorvendo milhões de pobres das zonas rurais ao ritmo de dois milhões de migrantes por ano.
Entretanto, o ritmo de urbanização continua sendo baixo, e os líderes locais se preocupam com o aumento das favelas. Chongqing tem 31 milhões de habitantes, 80% deles ainda vivendo em áreas rurais. A integração social também se reflete no bastante desigual crescimento do produto interno bruto. Embora alguns dos 40 distritos administrativos de nível de condado em Chongqint experimentem um auge, outros apenas se ajeitam para sobreviver. A construção da controvertida represa, que começou em 1993, envolveu o reassentamento forçado de 1,3 milhão de pessoas, o que foi muito criticado dentro e fora da China.
Esta primeira leva de agricultores, cujas casas foram inundadas com o aumento das águas da represa, foram reassentados na região, transferidos para novos terrenos em locais mais elevados, ou recebendo a promessa de postos de trabalho nas proximidades da represa. Porém, o processo de recolocação sofreu diversos problemas e se viu prejudicado por escândalos de fraude e corrupção. Em seu último informe, de janeiro deste ano, os auditores chineses disseram acreditar que US$ 37 milhões saíram de fundos alvo de malversação, originalmente destinados a reassentar os moradores do lugar deslocados por causa do projeto. Estes logo descobriram que na área da represa havia pouca terra sem usar e apenas uns poucos dos trabalhos prometidos se concretizaram, na medida em que cada vez mais empresas industriais obsoletas da região se dissolviam.
“Ao final, mais de um milhão de pessoas acabaram perambulando pelas regiões da montanha e da colina, que, agora vemos, criou um sério dano ambiental e uma grave erosão do solo”, disse Zhang Xueliang, membro da Conferência Popular Consultiva Chinesa em Chongqing, aos presentes nessa reunião, segundo o jornal 21st Century Economic Herald. “Nunca houve uma avaliação adequada do primeiro reassentamento, o custo total para o povo e a economia. Sem uma análise honesta do reassentamento até esta data, os funcionários da região estão recomendando este segundo passo às escuras, e provavelmente provocarão mais conflitos e mal-estar social”, disse Ryder.
(Por Antoaneta Bezlova*,
Envolverde, 16/10/2007)
* Este artigo é parte de uma série sobre desenvolvimento sustentável produzida em conjunto pela IPS (Inter Press Service) e IFEJ (siglas em inglês de Federação Internacional de Jornalistas Ambientais.