O temor de que o boom do etanol e do biodiesel perpetue os países em desenvolvimento como simples exportadores de matérias-primas foi um ponto destacado na segunda Feira Internacional de Agroenergia, Biocombustíveis e Energias Renováveis (Enerbio), realizada na semana passada em Brasília. Durante três dias, mais de 18 mil pessoas e 130 expositores participaram dos cinco encontros que compunham a Enerbio: três conferencias internacionais, sobre biocombustíveis, energia e transporte; o Seminário de fomento a Microprodutores de Etanol e Biodiesel, e a feira propriamente dita. Estiveram presentes delegações de 50 paises, 12 deles africanos.
A preocupação de que países como o Brasil tenham um papel de simples fornecedores de matéria-prima para a indústria de biocombustíveis dos Estados Unidos e da Europa se deve à crescente participação de investidores estrangeiros no setor dos combustíveis destilados de cultivos, disse à IPS o presidente da Enerbio, Ronaldo Knack, em um balanço das conferencias. Os investimentos estrangeiros, que representaram apenas 6% na agricultura energética brasileira no ano passado, duplicaram em 2007, ressaltou. O risco é que com esse poder consigam determinar a divisão do mercado. O Brasil já exporta mais soja em grão do que seus derivados de maior valor agregado, com óleo e farelo, situação que pode se repetir com o biodiesel refinado a partir dessa oleaginosa.
Outros dois enfoques que obtiveram consenso indicam que o governo brasileiro, contrariando o discurso do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não está apoiando os pequenos produtores de oleaginosas destinadas ao biodiesel e tampouco adotou uma política a favor das fontes renováveis de energia, segundo Knack. O óleo de rícino, cuja produção o governo diz estimular na agricultura familiar do Nordeste pobre, tem no mercado internacional preço quatro vezes maior do que o obtido para ser transformado em biodiesel nacional, acrescentou. Por outro lado, os planos oficiais dão prioridade às grandes centrais hidrelétricas e nucleares em lugar das energias eólica, solar e de biomassa, ressaltou Knack.
Os painéis, seminários, fóruns e encontros que reuniram especialistas, empresários, investidores e interessados desenharam um panorama dos biocombustíveis no mundo. O Brasil continuará atraindo investimentos neste setor por suas extensas terras disponíveis, clima favorável e baixos custos de produção, afirmou Roel Collier, do grupo britânico Clean Energy. A demanda por etanol seguirá em franca expansão, tanto no mercado interno quanto no externo, graças aos automóveis equipados com motores flex, que funcionam com gasolina e álcool.
No Brasil, esses veículos já dominam 90% da produção nacional. No ano passado foram fabricados dois milhões de unidades. Nos Estados Unidos já chegaram a seis milhões. Além disso, multiplicam-se os países que, como Austrália, China, Japão e alguns europeus, misturam de 3% a 10% de etanol na gasolina. O comércio internacional do combustível alternativo, entretanto, segue restrito devido às elevadas tarifas e às exigências de certificados que assegurem uma produção ambientalmente sã e que respeito os direitos dos trabalhadores.
Todos em Brasília aprovaram as certificações, e as tarifas pouco preocupam, porque cedo ou tarde os países ricos (EUA, Japão e os europeus) terão de abrir seus mercados aos biocombustíveis, disse Knack. Mas, não faltaram queixas pela "contradição" que representa o protecionismo contra o etanol, enquanto se deixa livre a importação de petróleo, que contamina muito mais. É o biodiesel que apresenta iniciativas mais novas, porque se trata de um mercado em construção.
Enquanto o Rio de Janeiro se orgulha de já contar com uma frota de ônibus funcionando com uma mistura de 5% de biodiesel, reduzindo a contaminação com a fumaça negra em 10%, Brasília iniciou um projeto de reaproveitamento do óleo vegetal de cozinha. A empresa Eco Brasília Diesel já recolhe o óleo usado em 1.280 empresas comerciais para a produção de 50 mil litros de biodiesel por dia a partir de janeiro próximo, capacidade que poderá chegar a até 200 mil litros.
A União Brasileira de Biodiesel (Ubrabio), que reúne 24 empresas produtoras desse combustível e de equipamentos necessários para a nova indústria, afirma que o Brasil dispõe de matéria-prima e capacidade produtiva para garantir o consumo nacional. Em janeiro entrará em vigor a lei que impõe a mistura de 2% de biodiesel ao combustível obtido a partir do petróleo, compondo o chamado B2. Para cumprir esse primeiro passo, o Brasil só precisa consumir 12% dos 24 milhões de toneladas de soja que exporta anualmente, destacou o presidente da Ubrabio, Odacir Klein. O País já tem capacidade para o B5, assegurou. Esta mescla de 5% está prevista para 2013, mas o governo pretende antecipá-la em três anos.
O programa nacional do biodiesel estimula a produção de oleaginosas na agricultura familiar através do selo Combustível social, que libera de impostos a indústria dedicada a promover a pequena produção, gerando renda e emprego. Mas as cooperativas de produtores se queixam da legislação que, segundo dizem, não estimula o desenvolvimento do cooperativismo no refino do biodiesel. A imposição de determinadas normas técnicas favorece a grande indústria, dificultando aos grupos de produtores de oleaginosas acesso à industrialização.
A Enerbio deste ano comprovou seu sucesso, segundo Knack, não apenas pela ampla participação, mas também pelo interesse e o acordo de levá-la à África e à Europa. No próximo ano também será realizada em Moçambique e Portugal.
(Por Mario Osava,
IPS, 15/10/2007)