Cerca de 83% dos brasileiros vivem em cidades, replicando velhos hábitos entre uma população que cresce vertiginosamente e povoa um espaço finito. Segundo o apresentador do Globo News e professor da PUC/RJ, André Trigueiro, para organizar esse caos é preciso sustentabilidade como resgate da palavra planejamento. "Falta planejamento estratégico aos municípios. A maioria dos políticos brasileiros são analfabetos ambientais, meio ambiente para eles é bichinho e floresta. O nível intelectual deles é baixo, pois não se abastecem de informações relevantes sobre o tema", criticou o jornalista na conferência Cidades Sustentáveis, durante o
2º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, que aconteceu na sexta-feira (12/10), no Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.
Na mesma direção o professor adjunto do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Ufrgs e pós-doutor pela University of Liverpool em Ciências Ambientais Ligadas à Edificação, Miguel Aloysio Sattler, afirmou: "Não existe no mundo nenhuma cidade sustentável, por isso urge que seja feito um estudo de reengenharia urbana que avalie seu potencial a longo prazo".
Durante o evento que teve como tema Aquecimento Global: um desafio para todos, Sattler apresentou o estudo de caso do bairro Menino Deus, na capital gaúcha, ameaçado pela especulação imobiliária e pela alta densidade, durante o painel 'Conjuntos habitacionais mais sustentáveis', e discutiu a pouca penetração de conteúdos de sustentabilidade nas Universidades e Escolas. "Muitos alunos do curso de Arquitetura da Ufrgs vêm assistir aulas na Engenharia, porque não contam com esta disciplina no currículo", constata Sattler.
Poluição do arTrigueiro trouxe um dado da Agência Internacional de Energia, que prevê que até 2030 as principais energias ainda serão o carvão mineral, o petróleo e o gás. Para o jornalista, existe diferença entre o que chamou de crescimento econômico e desenvolvimento econômico. "A China tem crescimento econômico, mas não desenvolvimento, porque não gera bem-estar e felicidade ao povo". Estados Unidos e China são as duas rodas da bicicleta dos países que mais crescem no mundo, mas mesmo assim, segundo dados do Banco Mundial, das 20 cidades mais poluídas do planeta, 16 delas são chinesas.
Mas não é preciso ir tão longe quando o assunto é poluição. São Paulo, a maior cidade do País, agoniza diante da contaminação do ar. "Todo aquele que vive na cidade de São Paulo 'fuma' 3 cigarros por dia, ainda que não seja fumante", informa Trigueiro. Um dos agentes que contribui visivelmente para agravar este quadro é a fumaça dos veículos automotores. Por dia são despejados na cidade 500 novos automóveis, que além de poluir e extrair recursos da natureza, causam transtornos diários no trânsito engarrafado. "Há uma vilania incomensurável no uso do automóvel. A nossa estrutura é rodoviarista e tentamos contornar o problema com um rodízio que não funciona. Esse é o reflexo imediato do consumismo. Precisamos ter carro e não qualquer carro para 'abafar' nas ruas", ironiza o jornalista.
Uso racional de energiaTrigueiro também criticou os gastos com energia. Segundo ele, são mais de 100 milhões de chuveiros elétricos no Brasil que poderiam ser susbstituídos por coletores solares nas coberturas dos prédios. "O chuveiro elétrico é o barato que sai caro, porque tem um valor baixo na compra, mas a conta é cara que representa um custo de 7% da energia do País, isto é, o total da energia gasta em todo o Estado do RS", compara.
Da mesma forma, a água da chuva poderia ser captada e armazenada para irrigar plantas, para a descarga dos vasos sanitários, entre outros, economizando a água tratada, clorada. "Toda a calha verte para o ralo. Por quê não verte para a cisterna?, questiona o jornalista. "Esse é um indício da nossa ignorância ambiental", completa.
Sattler também alerta para o bom uso dos recursos naturais, principalmente os energéticos, que devem ser utilizados com a máxima eficiência evitando a "farra dos gastos de combustível". Da mesma forma, salientou, é responsabilidade de todos a preocupação com a origem dos materiais usados na construção civil e com o descarte de embalagens de produtos tóxicos que devem retornar aos fabricantes. "Deveríamos observar também se a madeira comprada é certificada", citou como exemplo.
Outra ponto discutido foi o poder reduzido do repórter de propor pautas ambientais nos veículos de comunicação. Para driblar a chefia e conquistar mais espaço na mídia, Trigueiro ensina que o fundamental é ter o domínio das informações. "Precisamos colecionar argumentos. Já diz a frase: contra fatos não há argumentos. A mídia mesma está se ressentindo de pautas novas que sejam mais arejadas", explica.
Para o final das apresentações, os dois painelistas foram categóricos quanto à mudança de postura coletiva diante das alterações climáticas. "Estamos sendo desafiados a tomar atitudes rápidas. Somente a lei não resolve tudo. Não adianta endurecer o regime sem repensar nossos hábitos", expõe Trigueiro. "Ainda vamos penar muito até atingir a consciência de que não somos aquilo que consumimos. Não basta simplesmente ter, é preciso ostentar. Diante de tanta miséria, a ostentação é eticamente discutível", arremata.
Para Sattler, a imprensa não deve somente denunciar os crimes ambientais, mas noticiá-los de forma que as pessoas se sintam agentes protagonistas nesta mudança. "O desmatamento na Amazônia por exemplo, é tratado como uma tragédia irreversível. Ao final, o público vê minado qualquer indício de esperança". Trigueiro concorda: "Os jornalistas precisam apresentar soluções ao invés de somente relatar os estragos. Nossa função social também é sinalizar e apontar perspectivas. Tanto o jornalismo quanto a publicidade têm responsabilidades neste processo", concluiu.
(Por Adriana Agüero, AmbienteJÁ, 14/10/2007)