Foram mais de três anos de uma estafante rotina que incluía até 12 horas de trabalho nos fins de semana, viagens internacionais, reuniões semestrais, intensa troca de e-mails, debates em uma língua que não é a deles, além da abdicação de muitas horas de lazer e tempo livre. Tudo de graça. Pela salvação do planeta.
Assim pode ser resumido o trabalho de Suzana Kahn, Roberto Schaeffer, Emílio La Rovere e Ulisses Confaloniere. Pesquisadores cariocas, eles fazem parte do grupo de 16 brasileiros agraciados com o Prêmio Nobel da Paz, como integrantes do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
Depois de mais de uma década de dedicação ao IPCC, que ganhou o Nobel junto com o ex-vice-presidente americano Al Gore, o retorno chegou de surpresa. Os quatro não terão retorno financeiro - o prêmio, de R$ 3 milhões, não chegará a eles, mas ganharam o reconhecimento do seu trabalho e disseminaram a idéia de que o meio ambiente não é só matéria científica, mas uma questão de paz mundial.
PARA SALVAR O PLANETA
“É um trabalho quase missinário e conserva o romantismo da juventude. As soluções apontadas vão seguramente mudar o mundo, têm aplicação prática direta. É possível interferir no rumo que as coisas estão tomando”, explica o engenheiro Roberto Schaeffer, professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe-UFRJ.
Apesar de não oferecer remuneração, ser do IPCC dá prestígio. Mas nem sempre foi assim, lembra Schaeffer. Desde 1998 ele contribui com o painel, antes só badalado na entre cientistas. Foi no início do ano que as coisas mudaram. A publicação do 4º Relatório de Avaliação do IPCC popularizou a expressão “aquecimento global” ao traçar diagnóstico sombrio para o futuro da humanidade. O documento deixa claro que até 2050 a temperatura na Terra vai aumentar 2°C, se nada for feito para reduzir o efeito estufa.
Os cientistas fizeram a sua parte e agora cabe aos políticos fazerem a deles, acredita a engenheira Suzana Kahn. “Ficou bem claro o papel fundamental dos tomadores de decisão. As soluções para reverter esse quadro são viáveis e reais. Basta haver vontade política”, alfineta a professora da Coppe, que coordenou capítulo que sugere medidas para mitigar as emissões de CO² do setor de transportes. “O Nobel tem peso moral. Vai ser difícil governantes ignorarem a questão ambiental daqui para a frente”, acredita Emílio La Rovere, também professor da Coppe e autor de um dos capítulos do relatório.
“Que a premiação estimule novos projetos de pesquisa e que os órgãos de fomento liberem mais recursos”, completa o médico Ulisses Confaloniere, pesquisador da Fiocruz e único brasileiro a participar do grupo que analisou os impactos sócio-econômicos das mudanças climáticas.
MEDIDAS CONTRA O EFEITO ESTUFA
O IPCC é formado por mais de 2 mil cientistas de 160 países. A cada cinco anos produz o Relatório de Avaliação, dividido em três partes elaboradas por grupos distintos. A primeira, das ciências da atmosfera, teve a participação de pesquisadores de São Paulo como o climatologista José Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e explicou como o clima está mudando, indicando o crescimento das emissões de gases de efeito estufa. O grupo 2, das análises dos impactos ambientais e sócio-econômicos, detectou regiões, setores e grupos sociais mais vulneráveis e só teve a contribuição de um brasileiro, o médico Ulisses Confaloniere, da Fiocruz. No grupo 3 ficaram concentrados os três pesquisadores da Coppe. Cada um responsável por um capítulo, indicaram medidas para limitar emissões dos gases nocivos ao planeta.
(Por Carol Medeiros, O Dia Online, 16/10/2007)