Projeto de Lei que altera regras relativas ao uso e à recuperação de florestas em terras privadas está em fase avançada de tramitação na Câmara dos Deputados. Substitutivo apresentado pelo Deputado Jorge Khoury (DEM/BA) possibilita a compensação de reservas legais fora da bacia de origem e o plantio de exóticas em parte da reserva legal em imóveis na Amazônia. MMA, ruralistas e ONGs apresentam sugestões para aprimorar o texto a ser votado nesta semana.
Há sete anos era lançada uma grande campanha nacional em defesa da Amazônia e das florestas brasileiras. Foi uma surpreendente e ampla mobilização da sociedade civil brasileira contra a tentativa de modificar profundamente o Código Florestal, único instrumento jurídico de conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos em terras privadas. À época, o deputado Moacir Michelleto (PR), um dos representantes da bancada ruralista no Congresso Nacional, tentava aprovar um projeto que reduzia para 25% a reserva legal em amplas regiões de floresta na Amazônia, diminuía a proteção às matas ciliares e outros tipos de área de preservação permanente e dispensava as pequenas propriedades rurais de manter a reserva legal. Era uma carta branca para aumentar o desmatamento na Amazônia e para condenar à desertificação amplas áreas do território brasileiro, onde o processo desordenado de ocupação agrícola praticamente varreu do mapa toda a cobertura florestal original.
Tal era o absurdo dessa proposta que, mesmo contando com o apoio da poderosa bancada ruralista e com a pressão de importantes lideranças do agronegócio, acabou sendo enterrada no Congresso Nacional para dar lugar à atual MP 2166, que incorporou uma proposta muito mais razoável oriunda do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
De lá pra cá, muitos outros projetos foram apresentados no Parlamento para tentar modificar o Código Florestal, seja para aumentar a proteção às florestas, seja para diminuí-la. Nenhum, no entanto, alcançou um nível tão avançado de tramitação como o PL 6424/05. Oriundo do Senado Federal, onde foi aprovado no final de 2005, prevê, a rigor, o fim da figura da reserva legal nos imóveis rurais, já que permite que a recomposição da área irregularmente desmatada possa ser feita com espécies exóticas, como eucalipto, dendê ou mesmo soja. Na Câmara, foi distribuído à Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMMADS), em caráter terminativo,ou seja: não precisa passar necessariamente pelo plenário, apenas se houver recurso. Lá, foi apensado a outro projeto, o PL 6840/06, de autoria do então deputado José Thomaz Nonô (PFL/BA), que permite a compensação de reserva legal fora da bacia e mesmo em outro estado da federação. O relator, deputado Jorge Khoury (DEM/BA), apresentou, ainda em 2006, parecer pela aprovação de ambos, com pequenas modificações.
Apesar de ter parecer favorável há mais de um ano, o projeto não foi votado até hoje. Em agosto deste ano, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que aparentemente também foi pego de surpresa pela aprovação no Senado, apresentou um substitutivo ao projeto, incorporando outros tantos pontos que não apenas os relacionados à proposta original. Dentre outras coisas, propõe o cadastramento georreferenciado - tal como ocorre hoje no Mato Grosso e em alguns outros estados amazônicos – como condição para a regularização do imóvel rural; a penalização de quem desmata reserva legal; a possibilidade de os órgãos competentes suspenderem, em regiões críticas, as autorizações de novos desmatamentos; e a troca de reservas legais por regularização fundiária de populações tradicionais. Por outro lado, aceita a compensação fora da bacia e a “recuperação” de reservas legais com exóticas, mas apenas para a Amazônia legal e em parte (30%) da área.
Com a proposta do MMA, outros setores também apresentaram seus próprios substitutivos, como a Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Meio Ambiente (ABEMA) - capitaneada pelos Estados de São Paulo e Minas Gerais, que têm interesse em permitir a compensação de RL em outra bacia e em computar APP dentro da RL - , e a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que tem o interesse em permitir a compensação em outro estado e bioma e em aumentar as hipóteses de diminuição do tamanho da reserva legal na Amazônia. No meio dessa chuva de propostas, algumas ONGs ambientalistas, dentre elas o ISA, se reuniram para discutir o projeto e avaliar a pertinência de sua aprovação. Ao analisar que o Código Florestal necessita de ajustes para que alguns mecanismos possam funcionar melhor e para que seu cumprimento passe a ser observado, sempre no sentido de garantir a existência e recuperação das APPs e RLs, fizeram uma proposta preliminar de alteração do substitutivo do MMA, o mais abrangente de todos, apresentada ao relator. Clique aqui para ver o documento.
Um dos pontos de maior preocupação é a possibilidade de compensação de RL fora da bacia, proposta que já havia sido apresentada no relatório do deputado Moacir Michelleto em 2000. Se essa proposta for aprovada, será muito difícil, ou mesmo impossível, proceder a uma recuperação ambiental mínima de áreas já bastante alteradas, como, por exemplo, o interior do estado de São Paulo ou grandes faixas da zona da mata do Nordeste, intensamente ocupadas por canaviais.
Estudo recente feito por universidades paulistas, em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente do Estado, identifica áreas prioritárias para a conservação e para a recuperação da vegetação nativa em território paulista, inclusive em áreas densamente ocupadas por agricultura. Isso só seria possível com a recuperação de áreas de reserva legal hoje degradadas. Se a regra for alterada, portanto, esse estudo terá efeitos meramente acadêmicos, pois não haverá instrumento jurídico que obrigue os proprietários a recuperarem em suas próprias terras, se for mais barato compensar em outras regiões onde o custo da terra é muito mais baixo.
O relator ainda não incorporou as propostas apresentadas, o que deverá ocorrer nesta próxima quarta-feira, 17/10,dia no qual poderá apresentar modificações ao relatório da semana passada, que pouco avança no sentido de aprimorar o Código Florestal. O resultado final ninguém sabe ainda.
(ISA, 15/10/2007)