Quando escolheu o IPCC (o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática da ONU) e o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore para premiar neste ano com o Nobel da Paz, o comitê norueguês deixou claro: está olhando para a frente, não para trás.
Diante de um reequilíbrio de forças no planeta pós-Guerra Fria, o grupo tem contemplado cada vez mais aqueles que ajudam a evitar guerras. Para o historiador norueguês Berge Furre, um dos cinco responsáveis por decidir quem merece o prêmio, a questão ambiental hoje está ligada à paz. Afinal, o aquecimento global --cuja causa, provou o IPCC com chance de 90% de acerto, é o homem-- acaba com recursos naturais, afeta a economia e detona migrações por terra.
A Folha conversou com Furre --um membro do Partido Socialista de Esquerda da Noruega-- sobre a ênfase do comitê no ambiente (o tema já fora contemplado em 2004 com a queniana Wangari Maathai).
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida por telefone, de Oslo:
Folha - Esta é a segunda vez em quatro anos que o comitê premia um ambientalista. Qual é a relação entre paz e ambiente?
Berge Furre - O comitê está sempre interessado no princípio da paz. Mas as relações no mundo mudam, e nos últimos anos o comitê tem ampliado seu cenário para se adaptar a essas novas relações. Temos nos concentrado mais em causas relacionadas aos direitos humanos, e a causa ambiental se relaciona com isso, em vez de contemplar uma relação mais direta com a paz. Na decisão deste ano, levamos em conta que a luta do IPCC e de Al Gore é uma luta pela paz, pois a mudança climática tem conseqüências para a paz.
Folha - O presidente do comitê disse que o prêmio não deveria ser encarado como uma mensagem para o governo Bush, mas é impossível que a correlação não seja feita. Qual é a mensagem a ser lida?
Furre - Não queremos nos embrenhar nas disputas políticas dos EUA. Nosso objetivo é apoiar esse painel da ONU, que tem feito um trabalho muito importante para o mundo nos últimos 20 anos, e o [ex-vice-presidente] Gore também tem feito um trabalho importante ao divulgar o problema.
Folha - Da última vez que conversamos, em 2003, havia uma expectativa no Brasil de que o presidente Lula fosse premiado, mas o nome dele não havia nem sequer sido submetido a tempo pelo comitê. Desta vez houve um movimento semelhante na Bolívia, onde deputados chegaram a dizer que o prêmio para Gore era injusto. O nome de Morales chegou a ser submetido ao comitê?
Furre - Não posso falar de candidatos deste ou do próximo ano. Trabalhamos com uma lista de quase 200 nomes. O que eu posso dizer é que os nomes têm de ser apresentados até 1º de fevereiro, e que é muito fácil haver uma candidatura, pois qualquer membro de qualquer governo, qualquer parlamentar, além de outros grupos, podem apresentar candidaturas. Eu, pessoalmente, tenho simpatia pelo presidente Morales.
Folha - O sr. também já disse ter muita simpatia pelo presidente Lula e pela região latino-americana...
Furre -Sim, é verdade, mas essa é a minha história. Não é a mesma história do comitê.
Folha - Ao decidir para quem vai o prêmio, o comitê parte do pressuposto de que quer chamar a atenção para um determinado tema ou o nome do vencedor é escolhido diretamente da lista, sem que a causa à qual ele está ligado o preceda?
Furre - Isso faz parte do nosso segredo de trabalho (risos). Mas há discussões o tempo todo no comitê, desde que pegamos a lista. Começamos a discutir entre nós e a conversar com especialistas noruegueses. Muitas vezes consultamos também especialistas estrangeiros. Quando chega o verão [setentrional], nós conseguimos normalmente já reduzir a lista para um punhado de nomes. Aí trabalhamos em cima deles, consultamos especialistas e tomamos a decisão.
Folha - Houve consenso este ano?
Furre - Sim, sempre é um consenso, até porque, quando um membro discorda, ele deixa o comitê. Foi assim em 1994 quando decidiram premiar Iasser Arafat, Shimon Peres e Yitzhak Rabin. Um dos membros não achava que Arafat deveria estar na lista e deixou o comitê.
Folha - O sr. está no comitê há quanto tempo?
Furre - Este foi o quinto ano.
Folha - Então o ano que vem é o último?
Furre - Sim, embora eu possa ser reeleito. Mas acho pouco provável, já estou com 70 anos.
(Por Luciana Coelho, Folha Online, 15/10/2007)