A mudança climática guarda relação com a paz global porque seus efeitos podem ameaçar a estabilidade internacional, disse Rajendra Pachauri, um dos milhares de cientistas premiados, junto com o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore, como o Nobel da Paz. Este indiano preside o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC), criado em 1988 pela Organização das Nações Unidas para avaliar a informação científica, técnica e sócio-econômica relevante na compreensão deste fenômeno ambiental, seus efeitos potenciais e as opções de adaptação e mitigação.
O Comitê Norueguês do Nobel anunciou na sexta-feira em Oslo a concessão do prêmio deste ano ao IPCC e a Gore, destacado político ambientalista e vice-presidente em dois períodos consecutivos, entre 1993 e 2001. Para Pachauri, o prêmio é um reconhecimento do vínculo existente entre a mudança climática – desencadeada quase com certeza por centenas de atividades econômicas, segundo o IPCC - uma possível ruptura da paz no futuro. "Me alegra comprovar que o Comitê Norueguês do Nobel tenha observado a mudança climática nesse contexto", disse o cientista a jornalistas na cidade suíça de Genebra, sede do IPCC, em uma videoconferência desde Nova Délhi, capital de seu país.
"Não digo que a paz mundial será ameaçada pelas conseqüências do aquecimento global, mas que pode ser ameaçada", afirmou. "Porém, vivemos em um mundo muito desigual, com áreas muito pobres, sem infra-estrutura para enfrentar sequer as mudanças do clima que ocorrem normalmente. Então, as mudanças climáticas mais graves e intensas obviamente as afetarão", previu o presidente do IPCC. "Também é preciso dizer que em algumas partes do mundo poderemos ter movimentos de população em conseqüência da mudança climática. Nesses casos, as estruturas sociais desmoronarão e sempre haverá um perigo de conflito. Por isso, a mudança climática pode muito bem converter-se em uma ameaça para a paz mundial", concluiu Pachauri.
O anúncio do Nobel da Paz foi recebo em outros círculos ambientalistas de Genebra como um reconhecimento do trabalho dos cientistas que em 19 anos contribuíram para a elaboração de quatro informes do IPCC, convertidos em vozes de alerta sobre os efeitos do aquecimento global. A divulgação do quarto informe se completará com a reunião que o IPCC manterá na cidade espanhola de Valencia, entre 12 e 17 de novembro. No mês seguinte, entre os dias 3 e 14, se reunirá na cidade de Bali, na Indonésia, a Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, onde os Estados Unidos tomarão decisões para frear o aquecimento global.
"Meu conselho a todos os governos envolvidos na conferência das partes é que examinem os aspectos científicos e os conhecimentos contidos nos informes do IPCC", disse Pachauri. Os documentos mencionados expõem que a humanidade alterou substancialmente a atmosfera da Terra. As concentrações de dióxido de carbono registradas em 2005 excediam os valores naturais que existiram durante 650 mil anos. Os 11 anos mais quentes desde que começou esse registro ocorreram durante os últimos 12 anos.
A queima de combustíveis fósseis, como carvão, gás e petróleo, o desmatamento e a pecuária, entre outras atividades, provocam a emissão de gases que, como o dióxido de carbono, prendem o calor do sol na atmosfera, contribuindo para aumentar o efeito estufa natural. Esse processo, conhecido como reaquecimento global, desatou a chamada mudança climática, segundo o consenso científico representado no IPCC.
As projeções para o século atual adiantam, no melhor dos cenários, um aumento das temperaturas médias em 1,8 grau. As perspectivas mais sombrias dizem que esse aumento pode chegar até a quatro graus. Pachauri afirmou que o Comitê Norueguês do Nobel reconheceu esse trabalho do IPCC. Mas, acrescentou que todos os cientistas que colaboraram com o IPCC são "os premiados do Nobel, reconhecidos e aplaudidos. Este reconhecimento e este prêmio depositam novas responsabilidades sobre nossos ombros. Devemos fazer mais e temos um longo caminho pela frente", disse Pachauri.
O secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial, Michel Jarraud, disse que através do IPCC foi premiado o papel da comunidade científica internacional em criar consciência e compreensão do efeito das atividades humanas no clima. "Devido aos seus limitados recursos, os países em desenvolvimento enfrentam maiores riscos e vulnerabilidades", disse Jarraud. Por sua vez, Renate Christ, secrtária do IPCC, considera que o prêmio reconhece que a mudança climática é um fator cujo impacto pode comprometer o sucesso dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, adotados pela comunidade internacional em 2000 para combater a pobreza e a desigualdade em todo o mundo. "Este reconhecimento pode ajudar a impedir esse efeito negativo, pelo menos é o que espero", disse Christ à IPS.
Pachauri comemorou o fato de o prêmio ter sido compartilhado com Al Gore, "que é uma pessoa magnífica", afirmou. Gore dedicou-se a promover em todo o mundo a conscientização sobre a responsabilidade humana na mudança climática. "Seu compromisso obviamente é uma das razões pelas quais o mundo é muito melhor a partir de hoje", acrescentou.
(Por Gustavo Capdevila, IPS, 15/10/2007)