Se a humanidade quiser uma solução duradoura para o problema do aquecimento global, será preciso cortar em 100% a emissão de gases do efeito estufa provenientes de atividades humanas. Este é o recado de um grupo de pesquisadores da Universidade de Victoria (Canadá) que vem fazendo projeções sobre o futuro da Terra usando um novo modelo -programa de computador- para simular o clima mundial.
Em estudo publicado na edição atual da revista "Geophysical Research Letters", o grupo de pesquisadores, liderado pelo climatologista Andrew Weaver, mostrou a conta que a humanidade terá de pagar para frear o aquecimento da Terra.
É necessário um corte de 60% nas emissões de gases-estufa até 2050 para evitar que até o fim deste século a Terra aqueça mais de 2C além do normal -nível considerado "perigoso" por cientistas. Contudo, mesmo essa redução seria incapaz de frear o aumento da temperatura no longo prazo, e dentro de cerca de mais um século o limite seria rompido. (O acréscimo de 2C é calculado em relação à temperatura média da Terra no século 19 antes da Revolução Industrial.)
Os novos números saíram de um dos primeiros modelos climáticos a levar em conta a interação dos oceanos com o dióxido de carbono (CO2) o principal gás causador do efeito estufa. "O que nossos experimentos trazem de novo é que a gente está simulando carbono ao mesmo tempo em que simula o clima", explica Álvaro Montenegro, oceanógrafo brasileiro do grupo de Weaver que também assina o artigo sobre os cortes de emissões. "As concentrações de CO2 na atmosfera são dependentes da circulação oceânica, da biota marinha e da biota terrestre. Todos esses reservatórios de carbono do planeta respondem ao clima, e isso é considerado no nosso modelo e em outros novos."
Montenegro -paulista que trabalhou na Folha como repórter de ciência entre sua graduação e sua pós em oceanografia- explica qual é a vantagem do modelo do grupo de Victoria, que não ficou pronto a tempo de ser incorporado pelo último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática). "A gente não precisa mais estabelecer de antemão quanto CO2 vai estar na atmosfera; podemos simplesmente estabelecer quanto CO2 a gente joga na atmosfera." O resto, o computador calcula.
Perigo arbitrário
Apesar de já estar encontrando consenso entre cientistas, o rótulo de "perigoso" dado ao limite de aumento de 2C na temperatura ainda é arbitrário. A mudança do clima é gradual e não é possível saber se vai haver uma quebra de continuidade além desse limite, mas, de qualquer forma, a situação já estará bem ruim a partir desse ponto. "Passando dos 2C, o risco de perder a calota de gelo da Groenlândia cresce muito, e isso apressaria a elevação do nível do mar", diz Montenegro.
Por fim, Weaver e seus colegas confirmam o que já se sabia sobre o "inócuo" Protocolo de Kyoto -o acordo internacional para corte na emissão de gases-estufa que prevê uma redução de apenas 5% em relação aos níveis emitidos em 1990. "Nada é totalmente inócuo: qualquer redução nas emissões de carbono vai acarretar em um menor aquecimento", diz Montenegro. "Mas o Protocolo de Kyoto é inócuo se a gente considerar que o aumento de 2C é um limite importante."
(Por Rafael Garcia, Folha de S.Paulo, 15/10/2007)