O Arquivo Histórico Municipal de São Paulo, o principal acervo da história da cidade, faz cem anos na quarta (17/10) com poucos motivos para comemorar.
Esquecido na praça Fernando Prestes, no centro, ainda não conseguiu sequer os recursos para fazer a "festa" como quer: exposições pela cidade e o lançamento de um livro de capa dura com suas relíquias.
Um dos objetivos dessa "festa" é, justamente, torná-lo conhecido, trazer luz ao lugar que é a própria "história da cidade". "Não é culpa da população, foram muitos anos sem divulgação do arquivo. Acabam conhecendo o arquivo do Estado, mas não sabem que existe o arquivo municipal", disse a diretora Liliane Schrank Lehmann.
Entre os documentos históricos estão, por exemplo, esboço do estádio do Pacaembu, da expansão da avenida Paulista, um abaixo-assinado de moradores pedindo o fim da cobrança de pedágio pelo município no Viaduto do Chá e as primeiras atas da Câmara.
"Toda a documentação da história urbanística da cidade está aqui. A questão da fiscalização, a relação da prefeitura com o cidadão, está tudo aqui."
As conseqüências desse esquecimento podem ser percebidas já na entrada do prédio. A fachada revela a carência de nova pintura e o visual piora com o material de construção estocado na calçada, resquício de uma obra paralisada.
Nos primeiros lances de escada, outra mostra: a identificação das pessoas é feita como há cem anos: tinta e papel. Não há computadores para registro e o visitante precisa identificar-se sempre que entra no prédio.
O visual do interior é agradável, com espaçosos e limpos corredores e salas, mas esconde um outro problema: falta de espaço. Construída em 1920, a sede atual do arquivo não suporta peso elevado -todo material pesado está estocado no porão.
Com isso, a memória do acervo compreende documentos de 1555 a 1922, mas deveria, por lei, abrigar pelo menos até 1977. Hoje o acervo equivale a um quilômetro linear de estantes, um sétimo do que deveria.
Um prédio de seis andares que fica ao lado é sondado como opção de espaço, mas a sondagem já dura 20 anos.
O esquecimento reflete no quadro de funcionários. Das 54 pessoas contratadas, metade da necessidade do arquivo, praticamente nenhuma ocupa a função que foi contratada. "Na prefeitura não tem até hoje carreira de arquivista, historiador e restaurador. Existe o projeto na Câmara", afirmou Liliane.
A falta de estrutura interfere no atendimento ao público. Como não estão digitalizados, os registros antigos de cemitérios só podem ser tocados por funcionários. Isso faz de uma pesquisa de minutos uma espera de até uma semana.
Esses documentos são importantes, por exemplo, para ajudar na construção da árvore genealógica -expediente utilizado por pessoas que pretendem obter dupla cidadania.
Das cerca de 10 mil plantas de prédios particulares e públicos do acervo, outro exemplo, apenas 700 delas estão digitalizadas. Os recursos da "festa", estimados R$ 275 mil, Liliane tentará captá-los através de patrocinadores pela Lei Rouanet. "O arquivo, apesar de não estar no ideal, encontra-se hoje, sem dúvida, melhor do que há cinco anos. Alguns secretários passaram sua gestão sem ao menos conhecê-lo pessoalmente."
(Por Rogério Pagnan, Folha online, 14/10/2007)