Apesar de declaração de Marina Silva, em setembro, dando como certo o uso de turbinas tipo bulbo, empresas questionam possibilidade do uso de turbinas Kaplan
Em declaração sobre o licenciamento ambiental das usinas hidrelétricas no Rio Madeira (RO), há poucas semanas,a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, atribuiu ao esforço do seu ministério e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o uso obrigatório de turbinas tipo bulbo, que diminuiria o lago criado pelo barramento em até oito vezes.
Apesar da proximidade do leilão para a construção da obra, as construtoras e a própria Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não garantiram o uso de turbinas bulbo na barragem.
Em vídeo disponível no site da Aneel, com base na Apresentação Técnica do consórcio Furnas/Odebrecht, que realizou o estudo de viabilidade da construção, em 14 de setembro, José Renato Cotrin, da construtora Suez, interrogou se a vantagem ambiental da turbina bulbo está fundamentada em algum estudo.
Segundo a técnica de Furnas, Helena São Tiago, também no vídeo, a afirmativa da "vantagem ambiental no uso de turbinas bulbo", presente no relatório de impactos ambientais, se deve a um estudo norte-americano que comprovou a eficácia do barulho desse tipo de turbina para espantar os peixes da tomada de água. Ela afirmou também que, no caso da turbina Kaplan, esse efeito não havia sido observado.
Ao ser questionada por Cotrin sobre a necessidade do uso de turbinas bulbo, a técnica de Furnas afirmou veementemente: "o uso de turbinas bulbo não é uma exigência da licença". Na seqüência, a construtora Camargo Corrêa perguntou sobre a possibilidade de se usar turbinas Kaplan. A Aneel afirmou ter de estudar o pedido. A decisão também estaria atrelada a um acordo com o Ibama.
Ainda segundo a Aneel, a decisão só será tomada depois do leilão de construção: "Será admitido que o ganhador [do leilão] apresente uma variante que não é de eixo horizontal, mas sim vertical" - a turbina bulbo funciona com eixo na horizontal, enquanto a Kaplan, na vertical. Furnas e Ibama não quiseram comentar o assunto.
LicenciamentoGlenn Switkes, da International Rivers Network, detalha que todo processo de licenciamento ambiental se baseou no estudo dos empreendedores: "as decisões do Ministério do Meio Ambiente [MMA] se basearam mais em conveniência política do que em qualquer outro motivo técnico", acredita. Switkes explica que nunca se usou tantas turbinas em uma só usina - o projeto de Santo Antônio prevê 44 delas. Ele detalha que as turbinas bulbo custarão mais que as Kaplan, usadas em grandes hidrelétricas brasileiras, como Tucuruí, e sobre as quais as construtoras brasileiras têm maior conhecimento técnico.
A proficiência técnica, segundo o ambientalista, será decisiva no leilão. "Os empreendedores, à essa altura, já se sentem donos do projeto. Aqueles que ganharem o leilão, entrarão com licenças prévias. Assim, eles pensam que todas as questões ambientais estarão resolvidas. A tecnologia que dominarem melhor será determinante para entrar no leilão oferecendo energia mais barata", explica.
Ainda segundo Switkes, a turbina bulbo é uma incógnita, não se sabe ao certo se será usada ou não. "O mais estranho é a ministra Marina Silva apresentar vantagens do projeto com o uso de turbinas bulbo como se fosse uma certeza e como se apenas isso garantisse um projeto 'verde'", salienta.
PeixesApesar de a tecnologia da turbina bulbo prever espantar os peixes para que não haja o trituramento dos animais junto ao fluxo de água, não há garantias que isso seja suficiente para evitar o extermínio das espécies. Segundo o pesquisador Igor Rechetnicow, da Universidade Federal de Rondônia, o próprio canal proposto na licença ambiental para o transporte de peixes de um lado a outro da barragem - no caso, um vertedouro -, seria insuficiente para garantir a reprodução dos peixes.
Rechetnicow explica que, no caso específico de Santo Antônio, há uma queda d'água anterior, a de Teotônio. Dessa queda, no período das secas, partem vários cardumes de peixe na chamada "dispersão" - a migração desses animais. O caminho natural é a passagem por Santo Antônio.
"Com a construção da barragem, haverá um lago entre Teotônio e Santo Antônio. Esse lago não terá as mesmas condições ambientais a que os peixes estão acostumados, a água pode ficar ácida, haverá um grande assoreamento. No caso dos peixes de escama, eles podem dispersar para mais longe, ou não dispersar. Já os peixes lisos, como a dourada e a piramutaba, provavelmente serão extintos", explica Rechetnicow.
Quanto aos diferentes tipos de turbina, Rechetnicow conclui que "nem essa turbina [bulbo], nem nenhuma no mundo, permite a passagem das larvas e dos ovos. Isso impedirá a reprodução dos peixes, sem dúvida".
(Por Eduardo Paschoal,
Amazonia.org.br, 05/10/2007)