A cobertura das mudanças climáticas sob o ponto de vista brasileiro "é um desafio que vai deixar a mídia com muita dor de cabeça", provocou Adrian Cowell, no final de sua apresentação a um público que lotou o Salão de Atos da UFRGS na abertura do 2º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, em Porto Alegre. O britânico, que tem uma vida dedicada a documentar a destruição da floresta amazônica, apresentou uma dúzia de partes de filmes em que reconstituiu os principais eventos que marcaram desde a ocupação da região por agricultores, promovida pelo regime militar, a partir da década de 80, até a situação atual, em que o governo tenta delinear estratégias de monitoramento e melhoria do aproveitamento de áreas, ao mesmo tempo em que luta contra a depleção causada pelas madeireiras e pela criação extensiva de gado.

A expansão da cultura de soja, que se alastra como praga pela região, e o alardeado programa de biocombustíveis que o governo anuncia no Exterior como cartão de visitas de um futuro maior engajamento com o Protocolo de Kyoto, não foram mencionados. Contudo, isto não tirou a grandeza e a força das imagens e diálogos mostrados nos frames de Cowell. Sua história, simplicidade e profundidade no que faz ficaram marcadas a ponto de ter conseguido prender os espectadores por mais de uma hora.

O tema do congresso que prossegue nesta quinta (11/10) e sexta-feiras (12/10) – aquecimento global como desafio da mídia – também não teve chance de ser discutido no primeiro encontro. Cowell previu bem: a dor de cabeça dos jornalistas que estiveram no local para trabalhar começou já no corredor do Salão de Atos, onde alguns se apinharam para conseguir uma breve entrevista com ele. Não havia espaço para perguntas nem coletiva de imprensa. O início do congresso, portanto, foi mais uma mostra histórica, comentada muito brilhantemente mas ao estilo monocórdio, de parte de um acervo de 16 toneladas de filmes que o autor anunciou como recentemente doados para a Universidade Católica de Goiás. O diálogo, mesmo, começou com a entrevista de corredor, diga-se de passagem, muito bem atendida pelo ativista em um Português claro, embora ele e seus jornalistas interlocutores merecessem um lugar melhor.

Terra por destruição
Nos primeiros trechos de filmes, Cowell mostrou a ocupação da Amazônia promovida pelo Incra nos anos 80, quando agricultores de regiões de clima temperado somente consolidavam a posse da terra se garantissem o desmatamento para plantio e criação de gado. "A esperança dos colonos dependia deste ato que significava um verdadeiro holocausto para a floresta", resumiu o ativista, em sua narrativa documental.

Uma segunda coletânea de trechos reviveu a história do seringueiro Chico Mendes e a forma como ele conseguiu vitórias pontuais e inimigos poderosos, ao mesmo tempo. A vitória de Chico, lembrou, foi paga com o preço de sua vida: de 1988 para cá foram criadas 81 reservas e estão sendo pleiteadas mais 108.

Exército por fiscalização
Na última seqüência de trechos, Cowell mostrou a guerra surda entre madeireiros e fiscais do Ibama, acuados por ameaças físicas e pela influência política de vereadores locais que volta e meia oferecem propinas. Apresentou casos em que é preciso a força do Exército para garantir o trabalho de fiscalização e casos em que é preciso mesmo e literalmente queimar tratores para conter o desmatamento. Contradições que só o choque de valores éticos e a desigualdade social extrema poderiam explicar, mas nunca manter.

Cowell foi objetivo e rico na apresentação de dados sobre as possibilidades do Brasil no mercado mundial de carbono. Informou que o desmatamento da floresta amazônica gera, em seus níveis atuais, 500 toneladas de carbono por hora, de acordo com cálculos do Banco Mundial. Mostrou os conflitos de estratégias entre os governos federal – que defende a presença de investimentos estrangeiros sob a forma de um fundo de apoio – e do Estado do Amazonas – que já está tentando negociar créditos de carbono na Europa.

Elogiou o incentivo Bolsa Floresta (R$ 50) e foi bem direto quanto à posição do Brasil no cenário pós-Kyoto: "O governo brasileiro deve ter egoísmo em favor de seu povo, assim como o fizeram os governos europeus com relação aos seus. O desmatamento mundial contribui com 18% a 25% do aquecimento global, e o Brasil é responsável pela maior porção disto." Em resumo: "O Brasil deve ter em mãos as cartas mais fortes nas negociações sobre o clima, e os jornalistas vão acompanhar isto."

Como, não se sabe. Um sinal frustrante é a ausência total de jornalistas no Fórum Gaúcho de Mudanças Climáticas, criado em junho pelo governo do Estado, aberto a todos, e com duas reuniões já realizadas na Secretaria do Meio Ambiente (Sema RS). A reportagem do Ambiente JÁ esteve nos dois encontros e testemunhou.

(Por Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 11/10/2007)