Informações errôneas, politicagem e acusações veladas foram apenas alguns dos motivos que tumultuaram os bastidores da instalação da Comissão Parlamentar de Inquéritos (CPI), que investigará o mau uso do dinheiro público repassado a variadas organizações não-governamentais, vinculadas ao governo federal. Conhecida como CPI das ONGs, a comissão tem sido criticada por uma série de especialistas, convictos de que levará, invariavelmente, a uma criminalização generalista das entidades. “A instalação é uma iniciativa política para fustigar o governo e não para trazer melhoria no relacionamento público-privado na área social”, afirma o advogado, especialista em terceiro setor, Eduardo Szazi.
Segundo ele, hoje, existem diversos instrumentos de controle do uso dos recursos governamentais, pois as ONGs que recebem investimentos federais devem licitar todas as contratações que fazem (desde 2005). Nesse contexto, as prestações de contas são submetidas ao crivo do Tribunal de Contas da União (TCU).
A Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), também questiona a criação da CPI. Em nota divulgada ao redeGIFE, a Abong levanta alguns pontos. O primeiro refere-se “ao estranho recorte de tempo abordado pela CPI, a qual propõe investigar convênios do governo federal com ONGs apenas a partir de 2003”. Segundo o TCU, as irregularidades no repasse começaram em 1999, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), quando o PFL era partido governista, hoje oposição, o DEM.
O documento também cita “a criminalização das entidades, uma vez que se propõe a tratar em uma CPI questões relativas a irregularidades, para as quais o TCU tem instrumentos cabíveis de ajuste e que não necessariamente relacionam-se à má fé no trato do dinheiro público”. Nesse sentido, acusa a CPI de ser generalista, pois as irregularidades foram apontadas em 29 convênios realizados entre o governo e 11 ONGs, distante do universo de quase 300 mil existentes no país.
Para o secretário-geral do GIFE, Fernando Rossetti, esses casos não devem ser encarados como regra, já que não refletem o diverso trabalho realizado pelas organizações sociais. “O corruptor nesse caso é o Estado, que criou canais para que isso ocorresse”, critica.
O Estado, na visão de Rossetti, deve criar regras e acordos de como prestar contas de maneira mais transparente possível, porém, sem dificultar o trabalho das organizações sociais. “Quando o Estado se mete a controlar, ele burocratiza o sistema. Isso poderia trazer conseqüências para o trabalho de pequenas entidades, que se tornariam inviáveis sem um amplo respaldo jurídico”, afirmou.
AcusaçõesAs discussões sobre a criação da comissão começaram há mais de um ano, quando a ONG Contas Abertas fez uma denúncia ao jornal Folha de S.Paulo. Na reportagem, veiculada no dia 17 de setembro de 2006, a organização apontava que a ONG UniTrabalho - que tinha como colaborador o ex-petista Jorge Lorenzetti - teria recebido mais de R$ 18 milhões da União desde o início do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Na época, também pretendia-se incluir nas investigações a denúncia de que a Petrobras teria repassado pelo menos R$ 31 milhões para ONGs ligadas ao PT. “A idéia não é promover nenhuma caça às bruxas, mas fazer um trabalho que ajude a preservar as entidades que têm prestado relevantes serviços ao País, das que apenas se aproveitam do dinheiro público”, explicou o senador Heráclito Fortes (DEM-PI), de quem partiu a idéia da CPI.
Nesse meio tempo, o PT acendeu as luzes vermelhas quando tornaram-se públicas as denúncias que ligam a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), a supostas fraudes na Fedraf-Sul (Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul). De acordo com reportagem publicada na "Veja", a Fedraf-Sul recebeu R$ 5,2 milhões, entre 2003 e 2007, da União. Ideli negou as acusações de envolvimento com as irregularidades, mas confirmou manter ligação com a entidade. O PT teme, agora, que as investigações comprometam a senadora.
Política Para a presidência da CPI, foi eleito o senador Raimundo Colombo (DEM-SC), sem impasses com a base aliada - uma vez que fecharam acordo para que a oposição ficasse com o comando da comissão, enquanto os governistas, com a relatoria. "Fui buscar um nome sem impasses, que vai conduzir essa comissão com seriedade", disse o senador Fortes.
A disputa entre partidos da base aliada, no entanto, adiou para amanhã a escolha do relator da comissão. O PMDB havia indicado o senador Valter Pereira (PMDB-MS) para o cargo, mas o PT brigou e agora tenta emplacar o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) como relator.
O PT trabalhou para tirar Pereira da relatoria por temer que o senador adotasse uma postura de oposição no cargo, uma vez que é um dos líderes dos chamados "franciscanos do PMDB" - que na semana passada derrubaram a medida provisória do governo que criava a Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, chefiada pelo filósofo Mangabeira Unger. Os petistas também querem evitar pressões do PMDB sobre o Palácio do Planalto, já que os "franciscanos" reivindicam uma série de pedidos ao governo.
“O grande líder do PMDB, que se chama Luiz Inácio Lula da Silva, mandou vetar meu nome”, resmungou o senador Valter Pereira, no Painel da Folha de S. Paulo, revoltado por ter sido preterido pelo PT para o cargo de relator. A frase repercutiu também na seção Veja Essa, da Revista Veja, nesta semana.
Outro efeito da indignação do senador sul-matogrossense é que ele pode migrar para a ala independente do partido – da qual fazem parte Pedro Simon (RS), Mão Santa (PI) e Jarbas Vasconcelos (PE). Valter diz que vai estudar a possibilidade. "Ainda vou consultar o travesseiro", teria dito, segundo o site Congresso em Foco.
Falta de informaçãoOutro detalhe que tem intrigado pessoas ligadas à área social é o fato de que o senador Colombo não parece ter qualquer familiaridade com o tema. A página pessoal do senador de Santa Catarina na internet não menciona proximidade com o chamado terceiro setor. Mesmo assim, tira conclusões, no mínimo, polêmicas.
O senador afirma que as prefeituras estão sob os olhos de diversos fiscais, como os tribunais de contas, o Ministério Público e o eleitor, a cada quatro anos. No entanto, “as ONGs não têm fiscalização nenhuma”. A consideração soa equivocada ao lembrar a análise de Eduardo Szazi, que advoga o contrário, ao dizer que elas devem ter cada vez mais transparência. ”Ademais, para infelicidade do setor, o nome da CPI, pela sua amplitude, coloca em dúvida a reputação do setor sem fins lucrativos que notoriamente tem contribuído para a construção de um país social e ambientalmente sustentável e economicamente justo”, critica Szazi.
(Por Rodrigo Zavala*, Rede Gife /
Envolverde, 08/10/2007)