Está lá no Estadão desta segunda-feira (08/10), com fotografia e tudo, a notícia que eu só esperava ver numa edição de primeiro de abril: “Melancia quadrada faz sucesso na Europa”. Além de fácil de transportar e guardar na geladeira, a tal melancia não tem sementes. A quadratura é conseguida à força. Assim que nasce, enfiam a coitada dentro de uma caixa. Já a eliminação das sementes não é explicada. A reportagem diz apenas que o método foi importado há dois anos da Coréia do Sul. Deve ser engenharia genética; uma melancia transgênica.
Estou esperando as reações. Algum procurador do meio ambiente, em parceria com alguma ONG ambientalista, certamente vai entrar na justiça com pedido de liminar, exigindo a suspensão imediata do plantio da melancia quadrada, se não forem realizadas antes as audiências públicas e os estudos prévios de biossegurança.
Foi assim que quatro ONGs conseguiram suspender a licença dada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, a CTNbio, para o plantio do milho transgênico Liberty Link, da Bayer. A liminar também proíbe a CTNbio de analisar qualquer outro pedido de liberação de milho transgênico, enquanto não criar normas de monitoramento para cada produto. Há seis variedades de milho, três de algodão e uma de arroz na fila dos pedidos. Essa do Liberty já espera há nove anos.
Enquanto nós demonizamos os transgênicos e por tabela desqualificamos os cientistas que emitem os pareceres técnico-científicos da CTNBio, vai se expandindo em todo o mundo o plantio das variedades geneticamente modificadas. A transgenia, diz o importante geneticista Francisco Salzano, em entrevista à revista Pesquisa, da Fapesp, é apenas mais uma técnica de melhoria das variedades importantes na alimentação humana e animal, entre tantas que o homem vem inventando desde que surgiu a agricultura. É mais sofisticada do que as anteriores e muito menos perigosa, por exemplo, do que a hibridação, diz ele.
As primeiras culturas de grãos aproveitáveis na alimentação humana, o trigo, a cevada e a ervilhas, foram domesticadas no Oriente Médio há onze mil anos a partir de variedades silvestres. Salzano pega pesado em alguns grupos opositores da transgenia e do uso de células-tronco. Acusa-os de não apenas ignorarem a ciência, também de hostilizá-la.
Vai ver que a melancia quadrada nem passou pela CTNbio. Entrei no site da Prefeitura de Icapuí, bonitinho, bem organizado, revelando uma Prefeitura moderna e dotada de uma Secretaria de Meio Ambiente ativíssima. Mas na lista de suas ações nada encontrei sobre a tal melancia quadrada, certamente um orgulho do município. Afinal, diz a reportagem do Estadão, de Icapuí já são exportadas 12 mil melancias quadradas por ano. Na janela de busca coloquei a expressão melancia quadrada e também não recebi nenhuma resposta.
Além de demonizar o transgênicos, também conseguimos demonizar as hidroelétricas, que no meu tempo de imprensa alternativa e crise do petróleo eram consideradas a forma mais limpa e ecologicamente interessante de gerar energia. E as estradas que deviam ligar o Brasil ao Pacífico e integrar fisicamente a América do Sul? Um ambientalista, depois de admitir a contragosto na semana passada, no Estadão, que os projetos eram ecologicamente corretos, advertiu em tom dramático que, se forem construídas, em 40 anos a floresta vai desaparecer. Qual é então a solução se nem os projetos ecologicamente corretos podem ser realizados? Não construir as estradas, vitais para o acesso das populações pobres aos recursos da modernidade e até mesmo para o policiamento eficaz do meio ambiente? Não integrar a América do Sul?
Vejo também problemas nos métodos de mobilização do movimento ambientalista. Muito quebra-quebra de audiências públicas; muita obstrução e poucos argumentos. A oposição dos ambientalistas ao projeto do rio São Francisco, usando como argumento as ações predatórias do passado, é um atestado da fragilidade da atual razão argumentativa do movimento ambientalista.
Bandeiras que combatem projetos localizados são eficazes, fáceis de serem propagadas e necessárias, cada uma delas isoladamente, em alguma medida. Também são necessárias para que haja no Brasil um movimento forte contra-hegemônico, capaz de refrear a ganância de alguns grandes grupos econômico e pressionar nossos legisladores e nossos executivos.
Mas, no seu conjunto, nas prioridades escolhidas e no seu método, não são bandeiras suficientemente responsáveis e maduras num país que luta pelo desenvolvimento sustentável, que tem um governo democrático e agências reguladores e de controle ambiental legalmente constituídas.
Outro dia, a ministra Marina Silva referiu-se a um “ambientalismo romântico”, que deveria ser superado. Creio que esse deveria ser o primeiro item de uma nova agenda ambientalista: rediscutir sua estratégia, seus objetivos e seus métodos.
(Por Bernardo Kucinski,
Agência Carta Maior, 09/10/2007)
Bernardo Kucinski, jornalista e professor da Universidade de São Paulo, é colaborador da Carta Maior e autor, entre outros, de “A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro” (1996) e “As Cartas Ácidas da campanha de Lula de 1998” (2000).