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conflito fundiário amazônia transamazônica
2007-10-09
Há 30 anos, completados em setembro, a Câmara dos Deputados desnudou a maior grilagem de terras do mundo, na Amazônia. O “nortão” mato-grossense, que faz parte da Amazônia Legal, viu suas terras leiloadas a preços módicos. Nasceram cidades, veio a devastação. A colonização teve um preço.

Sem holofotes, sem internet e sob o crivo da censura à imprensa, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar as atividades ligadas ao sistema fundiário em todo o território nacional foi um dos mais significativos capítulos da história do País.

Foram mais de mil páginas da qual se extrai capítulos interessantes de uma história esquecida nos arquivos do Parlamento.

A conhecida CPI da Terra fez brotar a semente da Justiça Agrária Brasileira e incentivou movimentos sociais. Quase dois meses depois, em outubro de 1977, o general-presidente Ernesto Geisel assinaria a divisão de Mato Grosso, onde os conflitos fundiários não cessavam. Vieram outras CPIs, nenhuma, porém, tão rica em apuração e credibilidade. O parecer dos relatores, deputados Jerônimo Santana (MDB-RO) e Walber Guimarães (MDB-PR) foi publicado no “Diário do Congresso Nacional” em 30 de setembro de 1977, recebendo aprovação da maioria dos membros, à exceção do deputado Jorge Arbage (Arena-PA).

A CPI do Sistema Fundiário teve 63 audiências públicas e igual número de depoimentos de religiosos, empresários, sociólogos, advogados, técnicos e jornalistas. Os movimentos sociais emergiam. Marcavam presença constante na defesa dos posseiros a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

Desde 1976 apoiados em duas resoluções (005 e 006) da Secretaria do Conselho de Segurança Nacional, os militares decidiram assumir a concessão das terras devolutas na Amazônia. Contrariando os princípios da legislação em vigor, assumiram a legalização de grandes áreas e tomaram conta dos principais cargos de primeiro e segundo escalões nas coordenadorias regionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em Cuiabá mandava o coronel de Exército Clóvis Barbosa; em Rondônia, o capitão de Exército Sílvio Gonçalves de Faria; e no Acre o general de Exército Fernando Moreno Maia.

Barbosa assumiu a regularização das terras de futuros municípios. Assim foi com Santa Terezinha, no Araguaia, onde ele avalizou a transferência da escritura de terras da Codeara (pertencente ao Banco de Crédito Nacional) para o município.

A conquista do Oeste e o foco da reforma agrária apontavam para Rondônia, a Canaã brasileira. Famílias deixavam o Oeste do Paraná rumo aos projetos de colonização. Mesmo sem a garantia do título definitivo da terra, essas famílias abandonavam aquele estado, viajando de ônibus e caminhão durante pelo menos quatro dias. Antes de produzir, plantar, semear, lutar pelo crédito no banco e enfrentar a malária, “comiam” barro ou poeira na BR-364, a partir de Cuiabá.

O governo insistiu no seu modelo de reforma agrária e quis também colonizar ao longo da BR-230 (Rodovia Transamazônica). Não deu certo. A própria Associação dos Empresários da Amazônia, dirigida na época por João Carlos de Souza Meireles, tinha dor de cabeça, porque via nas terras da Amazônia “a solução para o problema da reforma agrária inteligente”. A entidade contava com 342 projetos agropecuários aprovados pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

A força de trabalho ocupada na agricultura crescera de 12,5 milhões em 1972 para 18,2 milhões em 1970, incluindo patrões e seus dependentes. Isso representava mais de 50% da força de trabalho do País. Antes mesmo da divisão do Estado de Mato Grosso, Meireles, que se tornara o maior incentivador da criação de cidades na Amazônia, defendia que arrendatários, meeiros, minifundiários e posseiros do Nordeste e do Sul do País se transferissem para Amazônia.

Ele incentivou a Cotriguaçu a se instalar no Aripuanã. Apoiou também a Colniza e a Indeco. Esta última, pertencente a Ariosto da Riva, obteve o reconhecimento da CPI: o projeto deu certo e superou as próprias metas de assentamento do Incra naquele período.

Testas de ferro assumiam o grupamento de lotes nos projetos de licitação. Tantas eram as irregularidades que a Justiça afastou do cargo um juiz e uma escrivã na comarca de Lábrea, no Sudoeste Amazônico. Canutama também acumulava casos de grilagem. Diante da impossibilidade de transporte dos volumosos livros de registro de terras para Brasília, o presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, desembargador Azarias Menescal de Vasconcelos, sugeriu que um emissário da CPI fosse consultá-los em Manaus. A tarefa coube aos deputados Mário Frota (MDB-AM) e Jorge Arbage (Arena-PA), que para lá viajaram.

Advogados a serviço do Incra permaneciam pouco tempo na região e não chegavam a adquirir experiência na luta contra a grilagem. Assim ocorreu em Humaitá (AM), perto de Porto Velho. Poucos profissionais deixavam a elite técnica do instituto, em Brasília, para ir trabalhar na selva. Os salários não iam além de dois mil cruzeiros mensais.

As grandes desapropriações dependiam dos estudos por parte dos procuradores. A outra parte, a desapropriada, procurava os professores de Direito mais capacitados para advogar contra o Incra. Nesse ritmo, a grilagem sempre prosperava.

(Por Montezuma Cruz, 24 Horas News, 05/10/2007)






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