A floresta tropical deu lugar a um cemitério de árvores. Até onde a vista alcança, há troncos arrancados do solo, sem folhas e com galhos quebrados. As copas das árvores - um "telhado" tão denso e exuberante que se podia caminhar sobre ele - não existem mais. Os poucos pontos de verde que sobraram não são maiores do que um maço de brócolis. Este é o legado do furacão Felix para a costa leste da Nicarágua, região habitada pelos índios miskitos. Um cheiro de morte marca a paisagem. Plantações e animais afundaram nos pântanos. Tanta terra foi carregada para os rios que eles mais lembram correntes de lama.
Rio abaixo, a destruição piora. Palafitas esburacadas pendem inclinadas, muitas sem telhado ou paredes. Ao chegar à beira-mar, você percebe que elas foram jogadas ao ar, antes de cair e despedaçar-se. Há um mês, no início de setembro, o mundo assistiu ao furacão uivar em direção à América Central e se preparou para o pior. Era de categoria 5 (a máxima), uma tempestade monstruosa, e um cataclismo parecia inevitável.
Mas o furacão mudou seu curso e não passou por grandes centros. Em vez de cidades e resorts turísticos, atingiu essa floresta remota, lar de algumas poucas comunidades de pescadores e agricultores. Um número relativamente pequeno de mortes foi registrado - pouco mais de cem. A história parecia acabada. A atenção mundial se voltou para outros lugares. Dias atrás, uma visita à região atingida mostrou que, para os índios miskitos, uma das mais empobrecidas e isoladas comunidade das Américas, a história estava apenas começando. Cerca de 160 mil pessoas enfrentam uma crise ecológica e humanitária - e a situação está piorando.
- É bem possível que as conseqüências da passagem do furacão venham a matar mais gente do que a própria tempestade. Acho que em uma ou duas semanas a avalanche de doenças deve começar - afirma Heriberto Cespedes, médico que trabalha em Puerto Cabezas, cidade na região.
De acordo com as agências humanitárias, os habitantes das vilas destruídas enfrentam o risco da fome, da água contaminada e de doenças transmitidas por ratos e mosquitos. Crianças começaram a sucumbir à malária, à dengue e à diarréia. A ameaça a longo prazo é de que a destruição das florestas - 1,5 milhão de hectares, incluindo áreas de proteção ambiental, foram dizimados - contamine a água e arruine por gerações a economia e o meio ambiente da região.
Captura de lagostas teve de ser interrompida
De todos os números deixados pelo furacão Felix - mais de 80% das casas por onde passou destruídas ou danificadas, mais de 15 anos para a recuperação das florestas, um apelo da ONU por US$ 40 milhões para ajuda - , o mais surpreendente foi a velocidade do vento, 257 km/h. Os furacões anteriores causaram mais devastação por causa das chuvas, dos alagamentos e dos deslizamentos de terra, mas, no caso do Felix, foi mesmo a força do vento. Os ventos e ondas vieram tão rápido que em torno de 80 pescadores de lagosta da localidade de Li-Dakura e das vilas ao redor não tiveram tempo de ir para a terra. Pelo menos 30 se afogaram, e alguns corpos foram parar na vizinha Honduras. Os sobreviventes agarraram-se aos destroços por dois dias até serem resgatados.
- Tenho medo de voltar para a água. Mas não há nada mais para nós aqui, só restaram as lagostas - disse Anpinio Adams, 32 anos, olhando em direção ao mar. Na verdade, pelos próximos meses não haverá nem mesmo isso. O mar está tão contaminado que a captura de lagostas foi interrompida. Especialistas alertam que danos maiores podem ocorrer com a contaminação dos lençóis freáticos pela vegetação apodrecida. Edith Morales, uma dos coordenadoras do programa de socorro à região, balança a cabeça ao falar:
- As árvores são sagradas para nós. Agora estão mortas e tornando as coisas piores. Nunca imaginamos isso.
(
Zero Hora, 08/10/2007)