O início do segundo mandato do presidente Lula ficou marcado para os povos indígenas e seus apoiadores, sobretudo, pelo flagrante “ato falho presidencial” ao definir os índios como “um entrave” ao desenvolvimento e, consequentemente, um obstáculo a ser superado para garantir a implementação do seu tão propagado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Após reações indignadas do movimento indígena e críticas de vários setores do campo popular, o presidente tentou relativizar sua falha através de justificativas pouco convincentes. Desde então, tem permanecido vigilante para não deixar transparecer em público o seu descaso com a população indígena brasileira, embora se tenha notícia de que nas conversas intrapalacianas, o chefe da nação permanece empenhado em retirar, definitivamente, do meio do caminho do PAC todos os obstáculos, inclusive aquele denominado “índios”.
Neste contexto, falar de PAC Indígena poderia manifestar certa característica esquizofrênica. Mas só poderemos aceitar tal diagnóstico se compreendido dentro das “psicopatologias políticas”, pois o tal PAC Indígena só existe em fantasia. No mundo real, há o Programa de Aceleração do Crescimento, que nada mais é do que um amontoado de obras de infra-estrutura com grandes empreendimentos causando impacto sobre as terras e as vidas de várias comunidades indígenas no país. Não fosse assim, poderíamos até supor que por parte de Lula estaria havendo uma tentativa de reparação da culpa resultante daquele famoso ato falho. Lamentavelmente, trata-se apenas de mais uma manobra política do tipo “coisa pra inglês ver”, com todo respeito ao povo britânico.
Agora sim o nosso diagnóstico: aproximava-se a viagem de Lula ao estado do Amazonas, algum assessor lembrou que lá havia índios e seria de bom tom incluí-los na agenda, afinal de contas, entrave ou não, eles também são brasileiros. Receosos de mais uma gafe, um grupo de habilidosos assessores descobriu uma fórmula para proteger o chefe: “fazer uma fusão dos índios com o PAC”. Para tanto, bastava um simples ajuntamento de duas palavras. Dessa maneira, pode parecer não haver antagonismos entre um e outro, promovendo certa tranqüilidade psíquica ao presidente. Assim nasceu o PAC Indígena.
Encontrada a solução psicológica, restava a tarefa de materializar a idéia. Como o tempo era curto, somente foi possível redigir meia página, isso mesmo, sem qualquer exagero. Lá estão relacionados três programas: Proteção dos Povos Indígenas; Promoção dos Povos Indígenas; Qualidade de Vida dos Povos Indígenas. Algumas das atividades previstas já são desenvolvidas por alguns ministérios, a exemplo dos Pontos de Cultura, do MINC e obras de saneamento básico, da Funasa. A princípio, essas seriam de fato aquelas de possível realização. Quanto às outras, não há nenhuma apresentação de diagnóstico prévio para justificar a importância das mesmas, portanto não se sabe como se deu a priorização. Não existe um planejamento, tão pouco há indicação de previsão orçamentária e muito menos a possível origem das respectivas verbas, apenas um vago indicativo de que “os recursos alocados para o alcance dessas ações serão aumentados, em média, 88%”.
Passado o vexame, é preciso lembrar ao governo que em 2006 foi criada a Comissão Nacional de Política Indigenista – CNPI e, após muita luta do movimento indígena e indigenista, a sua instalação ocorreu agora em 2007. De acordo com o que estabelece o decreto de criação, ela deverá ser informada e ouvida sobre os assuntos de interesse dos povos indígenas, mesmo que se tratem de delírios ilusionistas, afinal, alguém precisa fazer um contraponto com a realidade.
(Por Saulo Feitosa*, CIMI /
Amazonia.org, 02/10/2007)
*Secretário-adjunto do Cimi